segunda-feira, 17 de março de 2014

O crítico vanguardista

Da mesma forma que, no plano da economia, o intermediário marchand-publicitário torna-se motor da produção e do consumo, o crítico de arte realiza o domínio da arte o trabalho de 'projetor', novo na tradição critíca. Seu objetivo visa ao futuro, desenvolve as possibilidades ainda latentes do grupo que defende, concedendo-lhe um futuro pictórico.

Guillaume Apollinaire - na qualidade de crítico de arte - redige seus textos para apoiar os amigos cubistas, mas traça ao mesmo tempo um rumo para alguns deles. A propósito de Marcehl Duchamp:

(...) Talvez esteja reservada a um artista tão imbuído de energia como Marcel Duchamp a tarefa de reconciliar a arte e o povo (...). Uma arte que se atribuirá como objetivo destacar da natureza não generalizações intelectuais, mas formas e cores coletivas cuja percepção ainda não se tornou uma noção, sendo muito concebível e provável que um pintor como Marcel Duchamp tenha acabado de realizá-la.
O crítico influenciando o marchand em suas escolhas, publicando em revistas nas quais se aproximam escritores e poetas, alimenta uma 'vanguarda' decididamente orientada na direção do moderno. É por intermédio de pequenos grupos, os quais unem as amizades e as desavenças que se formam esses postos avançados da arte. Os pintores que recebem seus elogios são em geral também amigos - estiveram juntos na Academia de Belas-Artes, expuseram juntos, têm ateliês próximos, possuem obras de um ou de outro. Reúnem-se com frequência. Criticam-se, imitam-se ou se distinguem.

É o caso do grupo dos impressionistas, muitas vezes descrito, mas também dos cubistas, de Pablo Picasso, Duchamp, Jacques Villon, no ano de 1915, da ligação entre André Breton, os surrealistas e os pintores da época.

O crítico de vanguarda está lá para cimentar os grupos para teorizar seus conflitos, para lutar contra os conservadores e para convencer o público. É um trabalho de promoção cujo argumento de venda baseia-se na profecia auto-realizadora. Assim, Apolinaire se serve de uma predição do futuro, que tem como efeito projetar no porvir um cubismo de uma segunda feição e mergulhar na sombra os movimentos da véspera. O impressionismo já foi abandonado. A modernidade é reivindicada, não mais como uma simultaneidade, como era o caso de Charles Baudelaire, mas como 'um avanço'. A arte deve desenhar a via futura, lançar as bases de uma sociedade nova; se o futurismo não é admitido pelos críticos franceses, nem por isso deixa de dar uma lição: a modernidade deve ser realizada 'à frente' do conservadorismo burguês. Sempre à frente.

Tomada assim como guia de um progresso social, a arte de vanguarda adquire tintas políticas. Os críticos que teorizam esses movimentos realizam um combate ideológico cujo tom é freqüentemente o do manifesto.

O Cabaré Voltaire expõe as obras de Jear Arp, Otto Van Rees, Picasso, Viking Eggeling, Wassily Kandinsky e Fillippo Marinetti; fundado em plena guerra, em Zurique, precede um pouco o movimento dadá. O movimento se politiza muito depressa. Toma o partido da revolução proletária. O slogan 'Dadá é político' é lançado em 1920, seguido de exposição a escândalos e manifestos sucessivos. A revista Dada é publicada em fascículos numerados enquanto Scwitters lança Merz à margem do cubismo e do futurismo. Essas vanguardas têm seu arauto: Breton, diretor da revista La Révolution surréaliste a partir de 1926.

A importância do crítico de vanguarda não pára de crescer, mesmo que, na chegada dos anos 1950, as dissensões políticas e tomadas de partido ideológico se façam sentir com menor intensidade. A vanguarda se define então, progressivamente, com 'a ponta do movimento de arte moderna' e reúne artistas bastante afastados uns dos outros, mas representando o que se faz de mais 'avançado' na área. Ainda aqui são os críticos que lançam essa vanguarda, nomeando-a e colocando-a em epígrafe. A escola de Nice é um exemplo significativo. O termo é utilizado pela primeira vez no jornal Combat pelo crítico Claude Rivière, depois lançado de novo em 1965 na L'Express por Otto Hahn, retomado do Gaumont, adotado por Ben em Identités. Mas esse termo liga pintores de horizontes muito diferentes: os novos realistas, os pintores de support-surface, assim como os independentes que se alinham a eles ''porque uma chancela é muito importante para jovens artistas".

Arte Contemporânea - Uma introdução
Anne Cauquelin
Ed. Martins Fontes