domingo, 3 de novembro de 2013

Os monumentos: Crítica ao conceito de ambiente

Percebo que o conceito de "locus" deve ser objeto de pesquisas particulares; um estudo desse tipo aplicado a toda a história da arquitetura poderá dar lugar a resultados significativos. Do mesmo modo, dever-se-á analisar a relação entre o locus e o projeto. Somente à luz dessas pesquisas poder-se-á resolver o antagonismo aparentemente insanável entre o projeto como elemento racional e como imposição e a natureza do lugar que participa da obra. Nessa relação está compreendido o conceito de individualidade.

Procurou-se examinar o uso do termo "ambiente", que a maioria entende como um empecilho à pesquisa. Ao ambiente, contrapusemos o monumento, além de ser historicamente determinado, o monumento tem uma realidade analisável. Além disso, podemos propor-nos a construir "monumentos"; mas, como se observou precedentemente, para fazer isso necessitamos de uma arquitetura, isto é, de um estilo. A redução dos problemas urbanos à sua realidade física não pode acontecer de modo diferente. Só a existência de um estilo arquitetônico pode permitir opções originais, nessas opções originais cresce a cidade.

A arquitetura se apresenta aqui como uma técnica. A questão das técnicas não pode ser subestimada por quem se coloca o problema da cidade; também nesse caso é até fácil demais notar como o discurso da imagem é inútil caso ele não se concretize na arquitetura que forma essa imagem. A arquitetura se torna, assim, por extensão, a cidade; ela tem sua base, mais do que qualquer outra arte, na conformação da matéria e na sujeição da matéria de acordo com uma concepção formal. A cidade se apresenta ainda como um grande artefato arquitetônico. Não é possível deixarmos de nos ocupar mais demoradamente dessa concepção formal.

Procurou-se ver a correspondência existente na cidade entre signo e acontecimento, mas isso não é suficiente, se não estendermos a análise a toda a gênese da forma arquitetônica. Ora, pode-se afirmar que a forma arquitetônica da cidade é exemplar nos monumentos, cada um dos quais é uma individualidade em si. Eles são como as datas: sem elas, sem um antes e um depois não poderíamos compreender a história.

Embora, como já dissemos, não seja objetivo do presente estudo tratar da arquitetura em si, mas da arquitetura como componente do fato urbano, devemos avançar aqui algumas considerações. É inútil pensar que o problema da arquitetura pode se resolver, do ponto de vista compositivo, na pesquisa ou na descoberta de um novo ambiente ou numa pretensa extensão, como se diz, de seus parâmetros. Essas proposições não têm sentido, a partir do momento em que o ambiente é precisamente o que se constrói mediante a arquitetura; e, que a individualidade de uma obra cresça junto com o "locus" e sua história, também isso pressupõe a existência de um fato arquitetônico.

Inclino-me a crer, portanto, que o momento principal de um fato arquitetônico está na sua técnica, isto é, nos princípios autônomos segundo os quais ele se funda e se transmite. E, em termos mais gerais, na solução concreta que todo arquiteto dá ao seu encontro com a realidade — solução que é verificável precisamente através do encontro de certas técnicas. (E que constitui, portanto, também e necessariamente, uma limitação.) No interior dessa técnica, como princípio lógico da arquitetura, está sua capacidade de transmitir e de agradar: "Estamos longe de pensar que a arquitetura não pode agradar; dizemos, ao contrário, que é impossível ela não agradar, quando é tratada de acordo com seus verdadeiros princípios (...) Ora, uma arte como a arquitetura, arte que satisfaz imediatamente tão grande número e nossas necessidade...como poderia deixar de nos agradar?"

A partir dessa constituição do fato arquitetônico inicia-se uma série de outros fatos; aqui a arquitetura se entende como estendendo-se também ao projeto de uma cidade nova: Palmanova ou Brasília. Podemos julgar os projetos dessas cidades como projetos de arquitetura: sua formação é independente, autônoma. Trata-se de projetos precisos com sua história, e essa história pertence à arquitetura. Também aqui eles são concebidos de acordo com uma técnica ou um estilo, de acordo com princípios e de acordo com uma ideia geral da arquitetura.

Não podemos ocupar-nos mais desses princípios e da ideia geral da arquitetura; mas basta-nos saber que, sem eles, não poderíamos de maneira nenhuma julgar essas cidades, ainda que tenhamos diante de nós Palmanova e Brasília como dois notáveis e extraordinários fatos urbanos, com uma individualidade e uma história próprias. Dessa individualidade, o fato arquitetônico é apenas a constituição; mas é precisamente essa constituição que afirma a lógica autônoma do processo compositivo e sua importância. Compreende-se, pois, que encontramos na arquitetura um dos princípios da cidade.
A arquitetura da cidade
Aldo Rossi
Ed. Martins Fontes