domingo, 11 de agosto de 2013

O produtor: o artista

Nesse sistema 'marchand-crítico', deixamos de lado deliberadamente as duas extremidades da cadeia: o produtor do objeto posto em circulação e seu consumidor. Ambos sofreram transformações em relação ao esquema de arte acadêmica, mas, diríamos, não por iniciativa própria, e sim indiretamente.

O artista se isola de um sistema que lhe garanta a segurança, tornando-se uma figura marginal. Submetido às flutuações do mercado - devidas em boa parte à concorrência, ao número crescente de artistas -, ele se aflige por sua sobrevivência e se coloca na dependência de marchand e críticos. Mas 'marginal' nem por isso quer dizer 'solitário'; ele faz parte de um grupo que é sua salvaguarda. O grupo tem um nome (que o pintor nem sempre tem), apoios, audiência. Ele sustenta e protege. O sistema de consumo promove um grupo, não um artista isolado, pela simples razão, calcada no mercado, de que um produto único atrai menos consumidores do que uma constelação de produtos da mesma marca. Nessa mesma gama, certos objetos serão colocados à frente e puxarão os outros menos reputados, portanto mais baratos e susceptíveis 'por coloração'de ser desejados por compradores menos abastados (a contrapartida dos mestres menores do século XVIII).

O tema 'escola' é substituído por um nome que agrupa pintores que trabalham de determinada maneira, apoiados pelos mesmos críticos e vendidos pelos mesmo marchands. Em vista disso, a singularidade de um dos artistas desse grupo não será visível a não ser que ela seja construída por meio da excentricidade ou até da extravagância. Ao menos sua biografia deverá ser objeto de um tratamento romântico. O artista tem perfeita consciência desse fato e oferece material para isso - se é que não o fabrica. A vanguarda, em nome da qual o crítico desenvolverá seu trabalho, pretende ser provocativa. Da atitude 'burguesa' dos primeiros recusados, preocupados em ganhar a vida, em não ser atirados fora da (boa) sociedade, em suma, ciosos de honorabilidade - como era o caso dos impressionistas - passa-se cada vez mais a uma atitude contestatória, aos happenings, às cenas ´reáradas (as apresentações de Salvador Dali, Yves Klein atirando seu lingote de ouro no Sena...). Não somente a imagem do artista se inverte como essa inversão se torna a norma, a ponto de as biografias de pintores do passado serem reconstruídas sobre o mesmo modelo.

É o meio de manter intacta a fonte da produção, o criador, independente do mercado e, portanto, livre de qualquer suspeita de comercialização, para que sua credibilidade junto ao público permaneça inabalável. Voluntária ou não, a exibição do artista como anti, fora ou além das regras do mercado de consumo é tida como certa. Tática vitoriosa uma vez que, se já não se trata mais do estudante pobre em seu casebre, que frequenta taberna com os amigos e arruína sua saúde e família - imagem herdada do século romântico -, nem por isso a imagem que o público faz do artista, apegando-se à arte desinteressada, à criação 'livre', oriunda do sofrimento, pronto a se tornar cego aos lucros muito reais e acusando sobretudo os intermediários de explorar o produtor, o artista. Vincent van Gogh, o maldito, o exilado da sociedade, estabelece o paradigma, obtendo todas as aprovações.

Arte Contemporânea - Uma Introdução
Anne Cauquelin
Ed. Martins Fontes