É que o objeto estético tem o condão de arrastar o expectador a uma sorte de contemplação ou de embrevecimento e a uma sorte de dança. O objetivo (casa) responde às necessidades, às exigências do agasalho, da moradia, mas não deixa de suscitar, também, em alguns casos e circunstâncias uma conduta teatral, de aguçamento da sensibilidade. No caso de Armindo Rangel, ele sentiu na 'casa vazia' não só um conteúdo estético, mas imaginou afetivamente um mundo humano de tudo o que aí se teria passado entre seres humanos. O objeto humanizado foi também estetizado, tornado-se uma criação própria do poeta.
A casa vazia está cheia de saudades. Vagam pelos salões e corredores, sombras, alegres umas, tristes outras, sombras dos que aí deixaram a lembrança, de seus amores, de suas alegrias e tristezas. De suas lágrimas, seus sorrisos e seus beijos. Em derredor da casa vazia. O jardim silencioso bafeja-a com os seus agrestes aromas, uma trepadeira em flor beija carinhosamente a casa vazia. E um repuxo, prateado, à luz do luar no silêncio da noite, é uma canção da água fria. Feliz casa vazia que tem recordações, sombras amigas, o ambiente perfumado dos jardins ofertas de carinhos e cuidados e no silêncio da noite, a canção da água fria.
É aí, justamente, que surge a presença do autor na vontade de fazer ou na vontade de exprimir, numa função instauradora da arte de que nos fala Etienne Souriau e que M. Dufrenne sublinha como uma condição capaz de ajudar e determinar o estatuto ôntico do objeto estético, a encontrar uma garantia de sua objetividade na atividade criadora do autor.
Fica, então, claro que o objeto estético se torna expressivo porque como tão bem acentua M. Dufrenne, o autor aí se exprime. Não que ele se exiba ou se prostitua, mas no que ele se exprime, exprimindo-se como poeta por meio do jogo da palavra, numa poesia; como pintor na projeção de uma tela ou como músico na apresentação de uma partitura; em tudo que ele representa faz surgir um mundo que é justamente o seu. E é isto que nos adverte a necessidade de unir estas duas formas de expressão, esta que libera um objeto e este que libera um ser, isto é, um aparecer, um desvelar-se no mundo das coisas. Segue-se, portanto, que exprimir, como tão bem acentua Maurice Nédoncelle 'é fazer desvelar isto que estava oculto, é lhe dar um suporte material e torná-lo público.'
Segundo M.Dufrenne, o objeto estético é sempre unificado por sua forma e a forma é uma promessa de interioridade, ele leva em si seu sentido, ele é a si mesmo seu mundo e não podemos compreendê-lo senão permanecendo junto dele, retornando sempre a ele. E isto porque tem dentro de si mesmo sua própria luz, ela é como um por si: há um por si do em si, que é para esta elevação, uma forma de ser luminoso por força da opacidade que não recebe luz estranha de um mundo que se desenha, mas fazendo jorrar de si sua própria luz, e isto é exprimir. Já se vê, portanto, que o objeto estético é nesta concepção um pré-requisito.
Mas por vir ao mundo, o objeto estético, tendo autonomia por si mesmo e até certo ponto recusando a se integrar no mundo, possui o condão de colocar o público na sua contemplação, em transe. É se encarnando que ele aparece no mundo e é nesta encarnação que realiza o seu ser. Assim, como diz Dufrenne, importa ao objeto estético estar no mundo, pois é no mundo que ele se realiza. A posição do público é outra, é esta que cabe apreciá-lo e julgar do seu valor como obra estética. 'Isto significa, em primeiro lugar, que o objeto só se realiza na percepção, uma percepção que esteja atenta a lhe fazer justiça diante do beócio que só lhe concede um olhar indiferente, a obra de arte não existe como objeto estético. O expectador não é somente a testemunha que consagra a obra, ele é, à sua maneira, o executante que a realiza; o objeto estético tem necessidade do expectador para aparecer'. E na fenomenologia, ao estudar o ser do objeto estético assinala 'que este nos devolve ao público, mas o público nos devolve à obra'. E mais adiante: 'o objeto estético nos reenvia, também, ao autor, mas o autor verdadeiro é um autor para nós e ele é imanente à obra'.
Arte e Dialética
Beneval de Oliveira
Instituto Nacional do Livro