domingo, 30 de outubro de 2011

O 'Art Nouveau'

À primeira vista, pode parecer estranho classificar entre os estilos históricos um movimento que acima de tudo foi uma pesquisa basicamente inovadora e livre, uma tentativa de encontrar um estilo que realmente pertencesse à sua época, e que, consequentemente, foi uma ruptura com o passado, uma reação contra o ecletismo então predominante. É certo que nele pode-se encontrar motivos decorativos (abundância da flora naturalista, linhas que ondulam como chamas) que também pertencem ao repertório da arte gótica, ou traços em comum com o barroco (amor pela curva, pelo movimento, pela profusão de ornamentos); mas o parentesco de temas ou tendências é totalmente superficial e mais aparente do que real; não se trata jamais de reminiscências, mas sim de uma interpretação fundamentalmente nova, sem qualquer vínculo profundo com o que foi realizado anteriormente. Mas o que é verdadeiro para a Europa, berço do art nouveau, nem sempre  brasileiro é válido quando se muda de hemisfério e se focaliza o movimento dentro de seu contexto brasileiro. No velho continente, o art nouveau foi uma tentativa de renovação e de síntese das artes decorativas; que embora efêmero e tendo durado no máximo dezena de anos, tinha raízes profundas na realidade à qual estava vinculada e correspondia a condições peculiares de sua época, tentando solucionar (soluções estas às vezes contraditórias) o aviltamento que ocorria em determinados setores da arte, devido ao advento da era industrial. No Brasil, pelo contrário, desapareceu totalmente o equilíbrio entre o aspecto técnico e o aspecto formal da art nouveau era vista como a última moda em matéria de decoração, que era de bom tom imitar, na medida em que fazia furor nos países tradicionalmente de grande prestígio econômico e cultural. Assim, trata-se mais uma vez de uma mentalidade muito semelhante àquela que tornou possível o sucesso do ecletismo: era novamente uma arte exótica, importada por europeus e apreciada enquanto tal por uma aristocracia rural e uma grande burguesia que vivia com os olhos na Europa.

Nessas condições, é fácil compreender por que o art nouveau desenvolveu-se principalmente em São Paulo, local onde vieram a conjugar-se uma série de fatores favoráveis. A ríquissima clientela dos plantadores de café, cujas frequentes viagens e leitura de revistas gerais ou especializadas mantinham-na em último contato com a Europa, encontrou aí arquitetos, artistas e artesãos emigrados diretamente dos países onde esse estilo alcançou grande força. Além do mais, trata-se indiscutivelmente da cidade brasileira mais capacitada a apreender e partilhar o entusiasmo que se tinha apoderado da Europa no começo do século XX, e a fé no futuro da qual o art nouveau era uma manifestação: embora a industrialização em São Paulo fosse mais uma promessa do que uma realidade concreta, o desenvolvimento de uma importante rede ferroviária contribuiu para a transformação da mentalidade, ao mesmo tempo em que o crescimento rápido da cidade justificava o entusiasmo e as esperanças da população.

Mas o art nouveau não foi um fenômeno simples, fácil de ser definido. Principalmente no campo da arquitetura, o termo não está isento de equívocos, não escapa a uma certa ambiguidade já mencionada; frequentemente engloba sob certos traços comuns tendências variadas e por vezes contraditórias. De fato, existiram vários tipos de arquitetura modern style, que correspondiam aos centros regionais marcados pela atividade de uma ou mais personalidades particularmente fortes. Essa situação não podia deixar de se repetir em São Paulo, cidade onde o art nouveau foi obra de arquitetos vindos de lugares distintos.

A influência da Sezession vienense é perceptível em Karl Ekman, embora pareça ter sido principalmente livresca: nascido em 1866 na Suécia, estudou na Escandinávia, indo depois para a América, onde trabalhou para diversas firmas em Nova York e na Argentina, antes de se estabelecer por conta própria no Brasil. Depois de uma rápida estadia no Rio de Janeiro, fixou-se em São Paulo, onde construiu uma série de edifícios importantes: a Escola Álvares Penteado, o Teatro São José, a Maternidade São Paulo e várias residências, das quais se destacaram as da família Álvares Penteado (VIla Penteado e Vila Antonieta). Quase todos, hoje, desapareceram ou foram de uma ou de outra forma mutilada. Os exteriores eram sóbrios e o desenho das fachadas era fruto de um projeto geométrico típico da escola austríaca de Otto Wagner: paredes lisas, vazadas por estreitas janelas retangulares, dispostas próximas umas às outras, afim de equilibrar por sua acentuada verticalidade a horizontalidade do volume do edifício, predominância da linha reta, valorizando o emprego de arcos e curvas em pontos estratégicos, decoração floral ou linear limitada a alguns motivos bem delicados, mas dispostas de modo a destacar sua importância. Podia-se encontrar essa mesma influência austríaca em certas obras de Max Hehl, mas já não era tão pura: com efeito, o gótico modernizado de seu Colégio de Santo Agostinho não passava de uma miscelânea de algumas características Sezession somadas a um conjunto onde predominavam formas e ornamentação góticas.

Contudo, a arquitetura de Ekman não se resumiu nesse aspecto externo Sezession, geralmente adotado. Pelo contrário, foi no tratamento dos interiores de suas casas que obteve os melhores resultados e impôs sua marca pessoal. Destes, somente um sobreviveu até os dias de hoje, por milagre o mais importante, em termos históricos e estéticos - a Vila Penteado, construída em 1902. Essa residência foi de fato o primeiro edifício art nouveau de São Paulo. Seu proprietário, o Conde Álvares Penteado, uma das personalidades paulistas da época, ao mesmo tempo latifundiado e industrial, era grande conhecedor da vida europeia e tinha um espírito esclarecido voltado para o futuro; foi ele quem encomendou a Ekman uma casa estilo art nouveau, lançando uma moda que se espalhou como rastilho de pólvora.

O elemento básico da composição é o vestíbulo, que se ocupa todo o corpo central, em comprimento, largura e altura; não é um mero ponto de passagem, mas a peça essencial, onde se concentra, todos os efeitos estéticos, tanto decorativos, quanto espaciais. Podemos encontrar ali uma aplicação característica dos princípios de Victor Horta, cujas grandes realizações Ekman certamente conhecia, seja pessoalmente, ou por meio de revistas especializadas. A liberdade da planta e da distribuição dos diferentes níveis, o efeito visual obtido pelas escadarias, tribunas e aberturas de tipo, forma e dimensões variadas que dão para esse vestíbulo, a interpretação de espaços daí resultante, tanto vertical, quanto horizontalmente, derivam certamente de soluções e concepções adotadas por Horta nos edifícios construídos em Bruxelas alguns anos antes. Por seu lado, a decoração predominantemente com curvas e arabescos resultantes mais do jogo abstrato da geometria do que da imitação da natureza aproxima-se muito do espírito de Henry Van de Velde, outra grande personalidade artística da Bélgica, nessa época. Ekman, portanto, estava certamente a par das realizações européias e das modificações no gosto, ocorridas nas grandes capitais. Sabia inspirar-se nelas, mas não era um imitador servil: a feliz síntese que conseguiu efetuar entre a rígida simetria do estilo Sezession, a audácia e a liberdade de invenção dos mestres belgas é uma prova da segurança de sua escolha, de seu talento para a assimilação, e de sua criatividade. Contudo, sua originalidade deve-se principalmente à habilidade com que transformou a madeira no elemento essencial de seus interiores. Foi desse material que ele extraiu quase todos os seus efeitos decorativos, quer pelo tratamento ornamental que lhe dava, quer pelo jogo de contrastes obtido; de fato, soube manipular com destreza o contraste entre a cor escura da madeira envernizada e a claridade uniforme das paredes e usar a contraluz para realçar o desenho das balaustradas, cujo perfil destacava-se nitidamente de um fundo luminoso. Para Ekman, entretanto, a madeira era muito mais do que simples meio de decoração: explorou ao máximo não só suas qualidades estéticas, como também suas possibilidades funcionais e construtivas; isto, pode ser comprovado pela escadaria da Vila Penteado ou pelo teto da casa do Dr. Kowarick, já demolida. Dessa maneira, criou obras de uma unidade e uma coerência perfeitas, onde a madeira assumia um papel semelhante ao ferro fundido na arquitetura de Horta. Isto pode ter sido uma concessão às condições ainda bastante artesanais do país, mas é pouco provável, pois havia na época facilidade de importar tudo o que fosse necessário a um custo relativamente baixo: na própria Vila Penteado, lareiras, lustres, objetos e estatuetas de metal e até mesmo a grande fonte do jardim vieram diretamente da Europa. Estruturas, vigas metálicas, colunas de ferro forjado, prontas para montar na obra, grades, corrimões de escada, etc., tudo entrava livremente, como já vimos. Não foi por necessidade, portanto, que Ekman decidiu fazer art nouveau utilizando a madeira como elemento fundamental. Pode ser que tenha sido encorajado pela abundância e beleza das espécies encontradas no Brasil. mas sua firme tomada de posição certamente decorreu da experiência secular que os escandinavos tiveram com esse material, habituados que estavam a viver em meio a imensas florestas: o amor atávico daí resultante faz com que a madeira ainda hoje seja um dos meios de expressão preferidos pelos povos nórdicos.

O sucesso da Vila Penteado foi imediato. Estava lançado o art nouveau, e em alguns anos os bairros novos (Santa Cecília, Campos Elísios, Higienópolis, Vila Buarque, Bela Vista) estavam cobertos de belas residências ou de simples casas de aluguel que traziam a marca indelével - embora muitas vezes superfícial - desse estilo. Quase todas foram demolidas, sendo substituídas por enormes prédios de apartamentos; o fato é lamentável, mas não se deve esquecer que a maioria dessas construções estava longe de ser obra-prima e faltava-lhe autenticidade. Além de Ekman, somente um outro arquiteto, parece ter conseguido se impor de maneira indiscutível: Victor Dubugras.

Nascido em La Fleche (Sarthe, na França) em 1868 e falecido no Rio de Janeiro, em 1933, ainda criança emigra com a família para a Argentina. Estudou arquitetura em Buenos Aires e trabalhou com o italiano Tamborini, mas cansado da situação instável desse país, instala-se em São Paulo em 1891. Durante algum tempo, foi um dos colaboradores de Ramos de Azevedo, sendo admitido em 1894 como professor de desenho arquitetônico na Escola Politécnica. Inicialmente partidário convicto dos estilos medievais, chegou ao art nouveau em 1902, quando expôs seu projeto para a casa de Flávio Uchôa, construída no ano seguinte. Como já vimos, essa casa ainda era uma mistura bastante curiosa de neogótico, predominante na decoração externa em relevo, e de pitoresco, resultante da justaposição arbitrária de elementos tomados de empréstimos aos estilos mais diversos. O art nouveau não era evidente na fachada pricípal; estava relegado à entrada lateral, coroada por uma marquise de cobre pontilhada de lâmpadas elétricas. Era mais visível no interior, onde o vestíbulo em galeria ocupava dois andares e era decorado com pinturas inspiradas pela flora brasileira, executada a partir de esboços do próprio arquiteto. Parece certo que Dubugras empregou ali, algumas lições tiradas de Ekman na Vila Penteado, construída no mesmo ano em que fez seu projeto. A Casa Uchôa foi um edifício de transição na obra de Dubugras: o exterior, ainda impregnado de ecletismo e de reminiscências de outros estilos históricos, era uma continuação lógica da linha que vinha seguindo; em compensação, a liberdade das soluções adotadas na disposição interna, tanto na planta, quanto na ornamentação, prenunciava a orientação muito diversa que o arquiteto, bruscamente convertido ao art nouveau, passou a ter logo depois.

Com efeito, o ano de 1905 marca uma reviravolta no seu estilo. É claro que a ruptura não foi total. Os motivos decorativos modern style, utilizados a partir dessa data, a princípio assemelhavam-se claramente ao repertório antes tomado de empréstimo à arte gótica: flora naturalista, arcos trilobados, rede de curvas, entrelaçados lembrando um pouco o estilo flamboyant, principalmente quando eram empregadas para ornamentar as balaustradas ou eram esculpidas na pedra para formar os peitoris das janelas, como na casa de Numa de Oliveira. Rapidamente esses motivos tornaram-se mais abstratos e também mais característicos do art nouveau, onde quer que Dubugras empregasse o ferro: grades, varandas, caixilhos de algumas janelas. A cada ano, seus projetos tornavam-se, menos rígidos, em planta e em volume, os traçados arredondados ficaram mais frequentes, as varandas passaram a assumir uma importância fundamental na composição, chegando mesmo a contornar quase inteiramente a casa, era o primeiro passo no sentido da etapa seguinte da carreira do arquiteto: o estilo neocolonial. É fácil acompanhar essa evolução através das fotografias publicadas por Flávio Motta: constata-se uma crescente libertação das formas romanas e góticas, mas também uma certa depuração daquilo que o art nouveau tinha de gratuito, com procura de soluções arquitetônicas, ao mesmo tempo estética e funcionais, baseados no emprego correto dos materiais de construção; originalmente uma das preocupações essenciais do movimento europeu, e que Dubugras foi dos poucos a preservar no Brasil.

O Teatro Municipal do Rio de Janeiro teria sido sem dúvida, se houvesse sido construído, sua obra-prima e forneceria a melhor síntese de suas sucessivas tendências. O projeto de Dubugras obteve apenas o segundo lugar no concurso realizado em 1904, sendo preferido pelo projeto do engenheiro Francisco Oliveira Passos. Contudo, o projeto de Dubugras era muito mais original. Tinha respeitado a solução clássica, marcando com volumes distintos as três partes essenciais de um teatro: palco, sala de espetáculo, foyer. Mas apenas a planta do palco podia ser inscrita num retângulo, enquanto que, nas demais, predominava em termos absolutos, a elipse (longitudinal e truncada no caso da sala, transversal e completa no caso do foyer). Essa forma incomum era perfeitamente invisível do exterior, embora seu movimento fosse atenuado pela aplicação de galerias superpostas. O exterior era uma curiosa mistura de formas inovadoras e de decoração tradicional, esta tomada de empréstimo tanto à arte romana italiana (galeria de arcadas finas em arco-pleno colocadas imediatamente abaixo do teto), quanto à deutorobizantina (pequenas torres flanqueando a fachada) e à gótica ( arcos trilobados das balaustradas e da galeria lateral no térreo); é certo que o conjunto teria resultado pesado e heterogêneo. Em compensação, no interior não se repetia a mesma falta de unidade; o vestíbulo era o toque de mestre: via-se o amor de Dubugras pelas galerias em arcadas que se superpunham em três fileiras, mas desta vez em qualquer reminiscência histórica; o movimento das escadarias, o desenho sinuoso da abóbada, a decoração floral estilizada do piso, contrastando com as linhas geométricas, porém dinâmicas, dos corrimões e balaustradas de ferro forjado, finalmente a original idéia de agrupar as luminárias em torno das colunas como se fossem capitéis, todos esses elementos combinados teriam criado um conjunto sem precedentes, homogêneo, moderno, muito avançado para a época.

Dubugras aliás não foi bem-sucedido nos seus estudos para edifícios oficiais, pois seu projeto para o Congresso Federal, um pouco posterior ao teatro, tampouco foi construído. De boa concepção técnica e funcional, não apresenta o mesmo interesse na medida em que seu autor não pôde ou não quis neste caso se abster de utilizar um vocabulário decorativo clássico que visivelmente não o atraía. O resultado, maciço e pesado, não teria sido feliz - é o mínimo que se pode dizer.

O mesmo não aconteceu com a estação de Mayrink, primeiro edifício no Brasil construído totalmente em concreto armado, onde irrompe a originalidade das concepções totalmente em concreto armado, onde irrompe a originalidade das concepções de Dubugras, muito mais avançadas do que as de seus colegas, tanto do ponto de vista técnico, quanto estético. A escolha do concreto armado, neste caso específico, oferecia uma série de vantagens essenciais: tornava possível a obtenção de um bloco único, indeformável e capaz de resistir às trepidações, distribuindo o peso uniformemente no terreno, aliás de péssima qualidade; além disso, era um processo barato; tanto mais que a estrutura foi feita com trilhos usados. Mas Dubugras não era apenas um engenheiro competente, era também um arquiteto que jamais esquecia as preocupações estéticas; sob esse ponto de vista, dedicou-se a uma verdadeira reabilitação do concreto armado, até então desprezado e cuidadosamente dissimulado quando empregado. A estação, à qual se tem acesso através de uma passagem subterrânea, está situada entre linhas das duas companhias ferroviárias que a utilizam, o que constitui uma solução prática para os viajantes que têm de fazer baldeação; assim, ela não tem fachada frontal e posterior e pôde ser concebida sobre uma planta absolutamente simétrica: corpo retangular iluminado por grandes vidraças, flanqueado por dois corpos secundários em semicírculo que abrigam a parte de serviços. A mesma simplicidade da planta encontra-se na elevação. Mas foram acrescentadas quatro torres nos cantos do corpo central, com finalidade puramente estética (embora sejam utilizados pelo telégrafo); são coroadas por plataformas em balanço, muito salientes, sustentadas por montantes de ferro forjado que, junto com a marquise que circunda o edifício lembram a afeição que Dubugras tinha pelo art nouveau. O conjunto prenuncia de modo nítido a arquitetura funcional, mas denota um gosto acentuado pelas preocupações formais, que não foram esquecidas no jogo hábil de curvas e de linhas retas, na justaposição de volumes simples, pressentia-se o caminho que mais tarde tomaria a arquitetura brasileira. Era cedo demais, porém, para que esse caminho fosse trilhado firmemente e o próprio Dubugras logo o abandonou para se lançar na aventura neocolonial.

É muito mais fácil detectar em Dubugras, do que em Ekman, as influências que atuaram nesse período art nouveau de sua carreira. Embora nascido na França, passou toda sua vida na América do Sul; sua formação portanto, apesar de européia, não foi direta, mas sim transmitida de segunda mão por intermédio de arquitetos emigrados, como o italiano Tamburini. Daí um certo atraso em sua evolução, compensado pela necessidade de um esforço maior para se manter atualizado e de um aprofundamento mais pessoal nos problemas arquitetônicos e estilísticos. Não há duvida de que Dubugras possuía grande cultura arqueológica e técnica; todos os seus trabalhos o comprovam. É evidente que ele mantinha contínuo contato com a Europa através de revistas especializadas de arte ou de caráter científico, conservando sempre um equilíbrio  entre o aspecto formal e o aspecto construtivo propriamente dito; de fato, desenvolveu sempre esses dois aspectos, inclinando-se ora para um, ora para o outro. Dadas essas preocupações fundamentais, as realizações que mais despertaram seu interesse foram as dos belgas Horta e Van de Velde e talvez as do escocês Mackintoch, mas é difícil encontrar nele uma influência decisiva seja de qual mestre for. Aliás, ele jamais foi tão longe no art nouveau quanto seus colegas europeus e só raras vezes se desembaraçou das imposições dos estilos históricos, sem dúvida alguma por causa do ambiente que o cercava no Brasil e da incompreensão que teria acompanhado toda tentativa mais audaciosa de se libertar desse contexto. Por conseguinte, a diversidade da obra de Dubugras, passando do neo-romano e do neogótico ao art nouveau e mais tarde ao neocolonial, é mais aparente do que real; é possível identificar-se nela uma grande continuidade e uma lógica interna que justificam o parentesco, sensível apesar de tudo, entre obras pertencentes a estilos tão diversos.

Comparados a Ekman e Dubugras, os arquitetos italianos que trabalharam em São Paulo no estilo art nouveau fazem uma triste figura. De fato, contentaram em aplicar às suas construções uma decoração naturalista, que não lembra nem de longe o vigor floreale de seu país de origem. Essa posição retrógrada é muito curiosa, já que, no campo das artes aplicadas, foram os italianos, sob a direção de Luigi Scattolini, que tiveram papel de destaque no Liceu de Artes e Ofícios; isto pode certamente ser explicado, pelas razões psicológicas já mencionadas e pelo controle rígido de Ramos de Azevedo, pouco propenso a permitir que seus colegas se afastassem do vocabulário arquitetônico clássico, mas que em matéria de ornamentação era muito mais tolerante. Assim, nem Dominiziano Rossi, nem Micheli, nem Chiappori, nem mais tarde, Bianchi, podem ser considerados por suas realizações como adeptos fervorosos do art nouveau; aderiram por vez à moda da época e conservaram ainda por muito tempo (principalmente o último) um gosto acentuado pela decoração floral, mas sua arquitetura inspirou-se mais nos modelos da Renascença do que nas construções realizadas na Europa no começo do século.

No Rio de Janeiro, o art nouveau não se desenvolveu tanto quanto em São Paulo. Segundo Lúcio Costa, um dos arquitetos mais significativos desse movimento foi Silva Costa, que construiu várias casas na Praia de Copacabana; contudo, não se pode formular qualquer juízo sobre elas, já que desapareceram sem deixar vestígios. Em compensação, subsistiram algumas obras do italiano Virzi, outro grande nome do art nouveau carioca; são construções bem curiosas, onde características do modern style misturam-se a reminiscências históricas. A casa situada na Rua da Glória, construída para o laboratório 'Elixir de Nogueira', possivelmente terminada em 1916, tem a entrada flanqueada por potentes atlantes barrocos, exemplo característico de uma decoração sobrecarregada. Mais interessante á a casa situada no mesmo bairro, na Praia do Russel nº 734 (antigo nº 172), que sem dúvida alguma logo irá cair sob a picareta dos demolidores. Como a anterior, é uma habitação cujo traço dominante é a verticalidade; a inspiração medieval é claramente visível nessa verdadeira torre que lembra as soluções adotadas em certas cidades italianas; o coroamento em terraço, coberto por um telhado sustentado por finos pilares de madeira geminados e assentados sobre suportes de pedra muito salientes, tem um ar de fortificação de opereta que não é fruto do acaso; as arcadas que contornam três lados do minúsculo pátio, como se fosse um pequeno claustro, a abundância de arcos, as colunas geminadas encimadas por capitéis, os vários ornatos em relevo, o volume saliente do segundo andar do edifício recuado, e vários outros detalhes, também contribuem para uma aproximação com a arquitetura da Idade Média. Por outro lado, as formas originais, estranhas e não raro irregulares, adotadas principalmente no traçado dos arcos, a fantasia total que reinou na justaposição e superposição de volumes, a abundância de grades e balcões de ferro forjado onde se destaca o jogo linear das diagonais e das volutas, pertencem ao espírito e ao vocabulário do art nouveau. A síntese é feliz e lembra um pouco a obra do catalão Gaudi, que também tinha partido de uma inspiração de origem medieval para chegar a criações totalmente inéditas. Naturalmente, Virzi não atingiu a força nem a audácia característica das realizações de Gaudi, mas é incontestável que ele foi, no Brasil, um digno representante de uma tendência muito pouco difundida do modern style, na qual a ênfase era dada aos problemas formais.

O art nouveau parece ter se prolongado por muito tempo no Rio, integrando-se no setor da habitação popular, à onda de ecletismo histórico que assolou a cidade. Também alcançou certo êxito em edifícios comerciais e industriais, cujas fachadas não raro eram ornamentadas com abundante decoração naturalista ou por grades e balcões de ferro forjado com intricados arabescos.

A moda do modern style não se limitou aos dois principais centros do país. Alguns traços esparsos desse estilo podem ser encontrados em Salvador e em Belo Horizonte. Apesar de ter sido construída na época de maior impulso do art nouveau, nesta cidade apenas algumas casas, pertencentes a personalidades locais (como João Pinheiro, governador do Estado de 1906 a 1908) adotaram a nova moda, conservando, ao mesmo tempo, alguns traços tradicionais; o que ocorria na maioria dos casos era apenas uma justaposição de alguns elementos funcionais e, mais ainda, decorativos e construções de espírito diverso. Não se tratava aliás de criações locais, mas sim de estruturas e de ornamentos de ferro importados diretamente da Europa e depois sem qualquer alteração montados na obra. A obra-prima é indiscutivelmente a magnífica escadaria metálica instalada no Palácio da Liberdade, sede do poder executivo: o interesse que ela apresenta é redobrado pois mostra o prestígio que tinha o ferro no campo das artes aplicadas; nesse setor, e somente nele, eram reconhecidos as qualidades estéticas do ferro, que o tornavam digno de figurar no lugar de honra de um edifício oficial, cujo arquiteto - pelo contrário - era obrigado a obedecer a um academicismo classicizante.

Contudo, a cidade brasileira mais atingida pelo art nouveau, além de São Paulo e Rio de Janeiro, acha-se às margens do Amazonas. Trata-se de Belém, capital do Pará, que, graças ao comércio da borracha, teve um desenvolvimento fantástico, mas efêmero durante a primeira década do século. A riqueza rapidamente acumulada por particulares reflete-se na construção de belas residências ou de edifícios comerciais mais ou menos suntuosos, onde podem ser encontrados vários traços moder style. Não há nada de extraordinário nisso, uma vez que o período áureo da borracha, que fez a fortuna de Belém e de Manaus, coincidiu com o grande prestígio internacional do art nouveau; pelo contrário, teria sido estranho que essa clientela de novos-ricos, com olhos e interesses voltados inteiramente para a Europa, não tivesse sido seduzida pelo caráter de ostentação dessa moda. Os resultados, porém, foram bastante medíocres. Mais ainda do que em São Paulo ou no Rio, a maioria dos edifícios construídos era uma extraordinária miscelânea de estilos passado. A Vila Bolonha, obra do engenheiro Francisco Bolonha, figura de destaque do art nouveau em Belém, com sua pequena torre hexagonal vagamente medieval, o pórtico em arcadas, a cornija sustentada por suportes que lembram mata-cães, o térreo com ranhuras, a cobertura com mansardas, as janelas Sezession e, nas salas de estar do primeiro andar, as varandas em projeção que lembram a arquitetura do inglês Webb de fins do século passado são um exemplo típico desse fato. Assim, só se pode falar de uma penetração superficial do modern style nas margens do Amazonas, e não da implantação concreta de um movimento original.

O art nouveau assumiu portanto no Brasil aspectos bem diferenciados segundo as regiões e segundo a personalidade e a formação dos arquitetos que o introduziram ou o adotaram. Existe, entretanto, um determinado número de pontos comuns que devem ser ressaltados. Só raras vezes foi uma tentativa de renovação da arquitetura, uma procura de um estilo característico de sua época; não teve portanto a mesma significação profunda que teve na Europa. Longe de tentar combater o ecletismo então reinante, integrou-se perfeitamente nele, tornando-se essencialmente uma moda como as demais. Não houve uma ruptura, uma incompatibilidade total com a imitação dos estilos do passado, mas uma curiosa síntese de elementos tomados de empréstimo desses estilos, principalmente da arte gótica, e de traços típicos do art nouveau. Nada de duradouro podia surgir dessas preocupações quase sempre puramente formais, principalmente numa época em que o gosto era tão instável. Enquanto que na Europa o modern style foi um primeiro passo no sentido de uma arquitetura realmente contemporânea, no Brasil ele não passou de mero episódio sem futuro: de fato, nesse país não se pode estabelecer qualquer relação entre esses dois movimentos, separados por um intervalo de no mínimo vinte anos, e tendo sido o primeiro decididamente ignorado pelo segundo. A nova arquitetura brasileira não nasceu de uma lenta maturação da arquitetura local - ela foi resultado mais uma vez de uma importação pura simples do Velho Mundo. Contudo, logo superou o estágio da aplicação mais ou menos servil de certas regras e princípios e encontrou um caminho próprio. Isto deve-se indiscutivelmente ao nascimento de uma personalidade artística genuinamente brasileira, cujo primeiro sintoma foi ainda uma vez mais um estilo histórico: o neocolonial.
Arquitetura Contemporânea no Brasil
Yves Bruand
Ed. Perspectiva