No entanto, as notas e os textos que se encontram no museu portátil, encerrados nas caixas, são obras da mesma natureza que os objetos prontos. São também formulações 'já prontas', quase impenetráveis. Ready-made em palavras. A sintaxe delas é perfeita, e o sentido escapa. À diferença dos jogos surrealistas, não se busca nenhum efeito poético em particular; é o exercício puro da língua remetendo-se a ela mesma. Não se sente de modo algum o 'estilo' do artista, é como se as proposições estivessem congeladas em sua pureza definitiva. Daí decorre sua admiração por Roussel e por Brisset. "Eu acho que, na qualidade de pintor, era melhor ser influenciado por um escritor do que por outro pintor já estou farto da expressão 'idiota como um pintor'."
Como o conteúdo físico da pintura - cores e formas - é rejeitado, e a arte não é mais retiniana, é não-óptica, então deve utilizar outro suporte. Mas as palavras são signos impalpáveis, poucos pesados, que a cadeia de comunicação pode fazer circular dentro dessa leveza. Elas servem simultâneamente de lugar e de tempo aos objetos aos quais dão título, e substituem a matéria: o título é uma cor.
Além disso, como acabamos de destacar em relação às fórmulas, a língua é algo que já está aí, um ready-made, pronto para o emprego. Os usuários da língua não inventam; eles a transformam ou mudam de lugar seus elementos.
Portanto, assim como os jogos de linguagem de Wittgenstein esclarecem não a mensagem, mas o sistema da língua e seu uso, as proposições de Duchamp que 'acrescentam' aos ready-made (ou são utilizados como ready-mades) esclarececem não tanto os próprios objetos - cujo significado habitual tendem antes a obscurecer - e sim o funcionamento da arte.
Arte Contemporâne - Uma introdução
Anne Cauquelin
Ed.Martins Fontes