segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Arquitetura Moderna

— E da arquitetura moderna o que o senhor diz?

— Num sentido geral, a nossa arquitetura moderna merece louvor. De todas as belas artes, quanto à criação e interpretação, consideradas num âmbito de normas lógicas, isto é, fora dos absurdos e aberrações, para os quais não há limites, a arquitetura é a que goza de mais liberdade por ser uma arte essencialmente inventiva, embora muitas vezes inspirada em elementos da natureza.

Nos bairros densos de edificações e de áreas muito valorizadas como o de Copacabana, a arquitetura não tem muito de criação ou novidade artística a fazer, oprimida pela força econômica, onde mais se pensa em aproveitamento da área do que em qualquer outra coisa. Não há lugar nem tempo para desperdiçar mão de obra com motivos artísticos ou pesquisar originalidade nas fachadas. Há, entretanto nos interiores, soluções de aproveitamento de pequenos espaços, dignas de nota.

A arquitetura sendo subordinada à utilidade, os arquitetos não podem cometer os desatinos que os pintores e os escultores da arte moderna cometem, pois nas obras destes ninguém faz morada. Construir um piso oblíquo é coisa inconcebível, no entanto os pintores e escultores da arte moderna cometem desatinos bem maiores, e ficam isentos de punição!?...

— E que vem a ser, professor, arquitetura funcional?

— Fala-se tanto atualmente em arquitetura funcional, denominação que não passa de simples refinamento de expressão. Só não sei é quando a arquitetura deixou de ser funcional. Toda ela é funcional. A primitiva moradia da caverna abrigando o homem e permitindo-lhe lugar de vida segura e repouso, já era funcional. Até a arquitetura destinada aos suplícios, (cadafalso e guilhotina) desde que satisfaça a finalidade a que se destina, é funcional.

Estabilidade e utilidade são as qualidades fundamentais da arquitetura: se não tem estabilidade cai; se não tem utilidade não funciona, é imprestável. Outras duas qualidades imprescindíveis na arquitetura sócio-urbanística, de reuniões públicas ou moradias são a iluminação; a aeração ou ventilação. Obedecidaos estes quatro princípios, está realizada a arquitetura. Os ornatos, a disposição de elementos estruturais, a distribuição de linha, enfim, a beleza, a estética virão para completar o bom gosto, sempre subordinados, porém, aos quatro princípios já mencionados.

Não é em vão o anseio contemporâneo da arquitetura realizar um estilo novo no Brasil, dando-nos obras agradáveis e significativas. Sempre como é natural, haverá um retorno às soluções clássicas, que aparecem transfiguradas como novos elementos de iluminação e aeração que funcionando em posições e proporções diferentes e com novos materiais, aparecem transfiguradas: eis uma das novidades, como no caso do edifício da ABI. Destaco como um dos belos exemplos, o palácio da Cultura, como arquitetura. A novidade das rótulas extensas, matou a beleza das janelas que eram os olhos alegres dos edifícios.

Com os modernos materiais de construção (ferro e concreto) e os processos de moldes e de formas, o arquiteto de talento pode construir uma casa até em forma de flor. Contanto que se possa entrar e sair sem quebrar as costelas...

— E quanto a decoração pictórica de painéis na arquitetura moderna?

— Ah!...É um assunto que justamente desejo focalizar aqui: O do preconceito que se tem levantado em torno da decoração pictórica da arquitetura moderna. Ora, a arquitetura sendo uma criação inventiva, isto é, fora de modelos ou moldes do natural ou de outra qualquer fonte, não está subordinada a paralelos, a comparações com os elementos (motivos) da natureza ou de outra qualquer criação. Sustentar que a arquitetura moderna não comporta uma decoração figurativa desta ou daquela tendência, qualquer que ela seja, do ponto de vista técnico e artístico, é um contra-senso.

Esse preconceito tem levado a figura humana a duas das mais grosseiras distorções, como representação antiestética desagradável: a exagerada simplificação que a transforma em graveto, ou o exagero das proporções dos membros e deformação das linhas anatômicas, transformando-a em verdadeiro monstro. A deformar a figura humana em tais extremos, é preferível então ingressar pela decoração informal que já é por si ininteligível e insignificativa.

Como todo artista sabe e o público em geral deve saber, a decoração precisa adaptar-se às condições do local como elemento recreativo e agradável, não para meter medo às crianças; observadas a distância e a condição de luz natural com aproveitamento da direção, exceto, às decorações de contorno e silhueta. Estilizada, simplificada na cor ou na forma o quanto necessário, sem prejuízo da legibilidade, preenchendo o espírito ornamental. Nunca com as minúcias de estátua de salão ou de quadro de cavalete. A parede limpa, vazia, é uma grande cega, conserva o silêncio natural. Não deslumbra nem provoca o observador. A má decoração, porém, irrita, impacienta, agride. A decoração representa os olhos da parede; a boa decoração, uns olhos bonitos. E quem não gosta de olhar e ser olhado por uns bonitos olhos?...

Não sou defensor intransigente da decoração acadêmica na arquitetura moderna nem em outra qualquer. Acho entretanto, que a boa decoração cabem em qualquer lugar, dependendo principalmente, do entrosamento com o que se decora, da força, valor, beleza e significação do que se representa. Vou ainda mais longe com o meu conceito. Penso que a 'Criação do Homem' de Miguel Ângelo, grandiosa como desenho e sendo assunto da 'Génesis' de âmbito universal, ficará bem em qualquer muro como boa decoração, tenha a arquitetura o estilo que tiver.

Repare que essas decorações que andam por aí, enchendo paredes com a chancela de modernas, sem conteúdo artístico, ninguém as olha com atenção, e olhadas uma vez, estão mais que vistas...estão esvaziadas para sempre.

-- E de Brasília com a sua arquitetura?

-- Brasília [e uma cidade bonita, nova, singular!...No traçado, e na planta sobretudo.

Chegando ao rodoviário de Brasília, senti um sopro de entusiasmo pela sua grandiosidade...lá no meio do planalto...!

Brasília não é tão pobre de verde como se propala e eu ouvia dizer. Tem o verde da vegetação rala e baixa das caatingas do planalto. Para ter mais, é só cultivar...O clima é ótimo e o céu é límpido e belo, às vezes, como o céu do equador.

É de certo modo um tanto monótona, porque predomina na sua arquitetura a massa cúbica, o que não podia deixar de ser pelo estilo adotado, e a massa cúbica é uma condição de todas as cidades, mas pelo muito que Brasília ostenta, propende para o aspecto de gravidade, severidade. As meias laranjas da 'Praça dos Três Poderes' quebram a monotonia e alegram a vista como ornamentação e novidade. Ambas equilibradas, repousadas com os eixos das geratrizes perpendiculares, agradam e dão ao observador bem estar...Uma solução bem achada.

Acabo de ler num dos nossos jornais, que uma sociedade de arte moderna de França, ofereceu a Brasília um grupo que não poderei chamar de escultórico, em vista de tratar-se de uma trapalhada de barras de ferro de especto ininteligível com o nome de 'Solarius', (os nomes de ordinário, são bonitos). A mesma metálica pesa seis toneladas e mede quinze metros de altura.

Pareceu-me mais uma cambada de caranguejos...

Coitadinha de Brasilia!...Tão jovem e linda, e já oprimida a suportar esse sacrifício...Amanha virá uma cambada de sirís...

A linha arquitetônica mais bonita de Brasília é a da catedral. É pena que seja tão pequena relativamente às outras massas, aos outros vultos de construção. O observador um pouco distante, de qualquer ângulo da cidade — no meio das massas de construção — a catedral parece minúscula. Lá, encontrando o meu velho amigo Ribeiro da Costa, colecionador apaixonado de arte e entendido no assunto, queixei-me disso, ao que ele me disse: a construção não é só o que vemos, contínua no sub-solo. O que lamentei por tratar-se de construção nova em área ilimitada. Será que vamos voltar a condição dos antigos cristãos, para orar nas catacumbas?!...

Ainda há quem fale em deixar Brasília de ser capital, o que não é só uma grande tolice e impatriotismo, mas quase um crime. Brasília ainda é pouco para a capital do país, mas o que lá já existe, é muito, é bastante para não se pensar, sequer, em retroceder...

Não obstante me ter agradado muito, não me furtei a tentação de formular uma definição a Brasília: "Vaidade de um governante, capricho de um arquiteto, desrespeito de uma nação...ainda por algum tempo..."

Estética Desfigurada
Porcíuncula de Moraes