Os historiadores brasileiros que insistem em buscar no Brasil as origens dos modernistas, uma visão restrita da literatura, não procuram encaixar a produção nacional no panorama mundial de uma época e nos grandes movimentos internacionais de idéias. Sem essa perspectiva o Movimento Modernista fica suspenso no ar, sem raízes, ou tem um filiação espúria.
Certos historiadores deixaram-se enganar por um equívoco, que o público cometeu na denominação do Movimento. Antes dos críticos brasileiros ratificarem recentemente, e com acerto, a denominação, os escritores da Semana de Arte Moderna eram conhecidos como futuristas. Esse engano de apelação tem dado ensejo a rios de tinta. Uns insistem ainda em achar que éramos futuristas. Outros, já que éramos chamados futuristas, procuram em Marinetti as origens de nossa ideologia. Embora Mário de Andrade protestasse em tempo, embora o manifesto de Klaxon afirmasse que não éramos futuristas, que não nos cansássemos de reclamar, há críticos que ainda perdem tempo com essa questão de falsa apelação.
Toda essa questão de futurista provém, como disse, de um equívoco. Guilherme de Almeida escreveu muito bem: chamavam-nos de futuristas porque Oswald de Andrade, lançando Mário, intitulou seu artigo "Meu poeta futurista". É preciso acrescentar que o termo estava na moda. A enorme colônia italiana de São Paulo, a popularidade da língua e da literatura italianas eram fatores que faziam com que a obra de Marinetti fosse conhecida nessa cidade. A palavra futurista tornou-se sinônimo de coisa nova, fora do comum, de maluquice para os bem-pensantes e tradicionalistas. Tudo que saia fora de tradição era futurista. Havia mobília, chapéus para senhoras, sorvete, louça, música de jazz, futuristas. Sucedeu naquela época exatamente o que está acontecendo hoje com a bossa nova. Tudo que é novidade é bossa nova. Não é somente um ritmo e um estilo de música que o povo denomina assim. Ainda hoje vi anunciar na televisão a baixa de preços dos artigos de uma loja como 'liquidação bossa nova'.Hoje, Oswald intitularia seu artigo "Meu poeta bossa nova". Mas não é uma razão para procurar as origens da poesia contemporânea na 'Garota de Ipanema' e no 'Samba de Uma Nota Só'.
Essa filiação, que os críticos dão tratos à bola para encontrar, em querer a força que exista, lembra-me o caso que se passou no atelier de Degas. Um grande crítico organizou ali uma conferência sobre Arte, com A maiúscula. Compareceu um músico escolhido, como dizem os jornalistas. O grande crítico falou durante uma hora sobre Estética, origens da arte e uma porção de coisas bonitas e sutis. Quando terminou, Degas disse-lhe:
-- Mais non, Monsieur, l'art c'est plus bête que ça!
Não é preciso quebrar a cabeça, estudar as obras de Marinetti e procurar sua influência nos modernistas. ' Cést plus bête que ça'. Não há futurismo na geração de 1922. O que aconteceu foi uma denominação imprópria que os jornalistas lhe deram. Futurista, insisto, significava em São Paulo e no Brasil última moda, extravagância. Hoje (esquecido o sentido da gíria da época), os historiadores interpretam erradamente essa denominação. Tomam a nuvem por Juno. Outros autores quiseram, por força, encontrar origens econômicas na Semana de Arte Moderna que deu origem ao Movimento Modernista. A esses marxistas inexperientes responderei simplesmente com uma citação do marxista calejado Plekhanov:
' Se, por exemplo, a dança executada pelos selvagens australianos reproduz os gestos que fazem arrancando raízes, nós ficamos sabendo a quantas andamos. Mas, o conhecimento da vida econômica da França no século XVII não nos explicará a origem minuetto.'
Onde estão, pois, as origens do Movimento Modernista? Quais foram os autores que o influenciaram? Quem meteu na cabeça desses jovens essas idéias? Todos os críticos já teriam descoberto o fio da meada se tivessem tido o trabalho de estudar um pouco de histórias das idéias, se tivessem feito um enigma. O Brasil desde tempos literariamente imemoriais importou suas escolas e tendências da França. O modernismo não abriu uma exceção: recebemos idéias e técnicas de Paris. O fato de tudo nos ter chegado tão de pressa, quase simultaneamente à criação do movimento em França, é talvez o que tenha desnorteado nossos historiadores, tão habituados, quase condicionados, a analisar os reflexos da literatura francesa na brasileira com uma geração de atraso. Foram institivamente procurar, como estão acostumados a fazer, as origens da nova tendência literária brasileira na escola futurista da geração européia anterior à nossa. A renovação da literatura e da arte brasileira sob o modelo de Paris não levou anos para atingir dessa vez, pela simples razão que em 1921-22 as comunicações eram mais rápidas que na época de Gonçalves Dias. O tempo encurtou depois da guerra de 1914. Está encurtando cada vez mais.
Os autores que os poetas e escritores modernistas liam eram franceses: Apollinaire, Proust, Blaise, Cendrars, Cocteau, André Salmon, Gide, Claudel, Aragon, Carco, Péguy, Max Jacob etc. e etc. As revistas que liam eram a Nouvelle Revue Française e L'Esprit Nouveau. Os pintores que admiravam nas revistas de arte e as poucas obras desse gênero que podiam ver em casa de Paulo Prado e d. Olivia Guedes Penteado eram todas de artistas modernos da Escola de Paris: Lhote, Picasso, Modigliani, Juan Gris, Léger, Braque, Matisse etc. D. Olívia comprou dois bronzes polidos de Brancusi que faziam Mário de Andrade babar de êxtase. Ele próprio não resistiu à tentação de comprar um Foot-ball de Lhote. Ficou quebrado durante meses. Adquiria edições de luxo de livros franceses ilustrados por Derain, Dunoyer de Segonzac, Gallanis etc. A música de Villa-Lobos dessa época recebeu influência de Satie e Stravinsky. A influência de Mestrovic é visível na obra de Brecheret. Di Cavalcanti copiava Picasso. Tudo isso o que é senão a influência francesa e da Escola de Paris nos modernistas paulistas? Todos sem exceção falavam francês muito bem. Não pensem que estou exagerando ou transportando para meus companheiros minhas idéias de leituras, gostos e influências pelo fato de ter voltado 'sabidíssimo' da Europa, em fins de 1919, depois de dez anos de ausência. É fato, vi e vivi essa época no meio dos modernistas, fazia parte do grupo.
Mas não quero dizer com isso que os rapazes da Semanda de Arte Moderna e de Klaxon fossem discípulos dos artistas franceses. Se nada mais tivessem feito senão copiar a Escola de Paris e os autores em moda na França não mereceriam menção. A verdade é que eles fizeram em São Paulo o que os franceses faziam em Paris: revolucionaram tudo para pôr o seu país dentro das correntes de idéias do momento, criaram arte e um literatura que exprimia a época em que viviam. Por isso eram modernos.
Não vou aqui repetir o que entediamos por modernismo. Publiquei em Klaxon diversos artigos nesse sentido e escrevi um livrinho sobre o assunto que apareceu em 1924 com o título indeliz de Domingo dos séculos. Mário de Andrade, nas suas obras, nos seus artigos e nas suas cartas, com o talento e a inteligência aguda que o caracterizavam, não se cansou de dizer o que era o modernismo do grupo em 1922.
O nacionalismo está hoje em moda. É uma etapa que estamos atravessando, é uma das peculiaridades dos países subdesenvolvidos. É uma moléstia infantil, um sarampo que dá muita febre. É preciso ter paciência e esperar que a moléstia passe. Alguns críticos na idade mental de sarampo quiseram interpretar o Movimento Modernista de acordo com a demagogia nacionalista de hoje. Cometeram um anacronismo histórico. Não existia em 1922 nacionalismo tal como se entende hoje em dia. Os americanos não eram ainda tachados de capitalistas colonizadores nem existia entreguismo. Ao contrário, a euforia que se sucedeu à guerra de 1914 (a guerra que se fez para acabar com as guerras), a Sociedade das Nações, as perspectivas de paz prolongada criaram na burguesia ocidental uma solidariedade e uma comunhão de ideologia, tanto mais forte porque as teorias de Marx e Lênin estavam agitando o proletariado europeu. A tese da luta de classes funcionava ainda direitinho nesse tempo.
No Brasil do Centenário da Indepedência, o operariado era uma massa amorfa (um Lumpenproletariat, como Marx definiu essa classe) sem dirigentes e sem consciência de classe. Havia, é verdade, em São Paulo, um grupo de anarquistas que procurava agitar o operariado. Idealistas como Leunroth faziam propaganda revolucionária e levaram o operariado à famosa greve de 1917. A polícia interveio, prendendo e espancando. Sem organizações e sem programas certo de reinvidicações os operários voltaram às fábricas. A 'questão social' ficou sendo uma 'questão de polícia'. O desenvolvimento de uma indústria em São Paulo, as expansões de cafezais pelo Noroeste e a alta Sorocabana deram oportunidades nunca vistas. Houve pleno emprego e possibilidades de enriquecimento como jamais houvera. Houve até 'falta de braços', esse Leitmotiu da civilização do café. As reivindicações operárias de algumas idealistas foram abafadas pelo clima de prosperidade.
É sempre bom lembrar que, bem mais tarde, os sindicatos operários não foram fundados pelo proletariado, como em todos os países adiantados, mas pelo governo. Incapazes de se organizar, Getúlio Vargas teve que inventar os 'pelegos' para ensinar-lhes a luta de classe. De acordo com sua política, é claro, pois o 'pai dos pobres' não era bobo. O resto da população não era burguesia, mas composta de coronéis e bacharéis. Nenhuma dessas categorias era racionalista, embora alguns bacharéis se impressionassem com os oito milhões, quinhentos e tantos mil quilômetros quadrados da superfície da pátria. Eram patrioteiros, ufanavam-se de seu país como crianças que admiram papai. nós, em Klaxon, fazíamos piadas sobre essa mentalidade. Alguns ficaram na seção 'Luzes e Refrações'. Não éramos nacionalistas e não éramos patrioteiros. No manifesto publicado na primeira página do primeiro número aparece esta frase: “Klaxon sabe que a humildade existe. Por isso é internacionalista”. Quisemos até fazer da revista um órgão internacional, publicando artigos e poemas em francês, em italiano e em espanhol. Nela colaboravam escritores belgas, franceses, suiços, italianos, espanhóis etc.
Justamente porque éramos internacionalistas queríamos acertar o passo na marcha das idéias e das realizações internacionais. Não queriamos que o Brasil continuasse fora do movimento. O que desejávamos era modernizar o Brasil. Essa era a nossa luta. Discutíamos muito nesse sentido. Mário achava, com razão, que para começar não era possível continuar a exprimir nossas idéias modernas numa língua emprestada e antíquada. O português que se escrevia neste país antes de 1922 era uma língua morta, um latim fiscalizado pelos gramáticos defensores da tradição.
É difícil, sem um esforço, imaginar o quanto era importante para os literatos dessa época a questão da língua em que escreviam. o fato era que redigiam em português de Portugal e falavam português do Brasil. A língua portuguesa era tabu, ninguém ousava quebrá-lo. Todos faziam questão de escrever certo, de acordo com a gramática estabelecida. Os regionalistas, quando eram obrigados a empregar uma forma popular, a sintaxe brasileira, o vocabulário da terra para dar a cor local necessária, grifavam as palavras e frases ou as colocavam entre aspas.
A preocupações gramaticais não atingem somente os literatos, mas o público em geral. Não havia jornal importante que não tivesse seu artigo, sua coluna de questões gramaticais. Redatores especializados respondiam a consultas sobre colocação de promotores. Uma grande parte do prestígio de Rui Barbosa vinha do fato de ele escrever português corretíssimo. Polêmicas gramaticais empolgavam o público. Gilberto Amado definiu muito bem esse estado de coisas dizendo em suas memórias: “ Nós éramos do tempo em que a questão pronome era uma questão capital”.
A língua portuguesa era uma das peias amarrando, sufocando a expressão genuína dos intelectuais brasileiros. A revolução cultural que apregoávamos não podia deixar de derrubar esse tabu antiquado do português de Portugal. Não queríamos somente o verso livre, queríamos uma língua livre.
Mário de Andrade sentiu esse problema melhor que ninguém. Foi o criador da língua brasileira escrita. Foi o primeiro a forças o leitor assustado a aceitar essa fala brasileira como língua escrita. Para impô-la, para chamar a atenção para o problema, usou e abusou do artifício de exagero e da irreverência. Oswald de Andrade e o resto do grupo Klaxon acabaram desconjuntando o português. Quebraram o tabu linguístico, romperam, definitivamente, o último e mais forte elo que unia o filho ao pai, Brasil e Portugal. Aqui, ainda foi através da França, onde Freud estava em moda e suas obras estavam sendo traduzidas, que tomamos conhecimento do complexo de Édipo, de totens e tabus. Durval Marcondes (estudante de Medicina e, logo em seguida, o primeiro psicanalista brasileiro) era nosso amigo e colaborador de Klaxon.
Essa língua sem complexos, esse instrumento novo deu-nos a possibilidade de estudar os problemas brasileiros livremente. Não manejávamos mais com cautela uma língua estrangeira, fidcalizadas pelos gramáticos e os mestres. Essa liberdade não a conquistamos somente para a prosa e a poesia, mas para as artes chamadas plásticas e a música. Foi uma libertação de todos os gêneros de expressão. Não conquistamos somente novas formas, mas novos conteúdos. Não éramos nacionalistas, ufanos, simplesmente por termos nascido no Brasil, ou patriotas verbosos; éramos estudiosos sem medo de falar dos males de nosso país. Não exibíamos os conjuntos regionais para um show sertanejo, como a escola que nos precedeu, mas estudávamos o caboclo. Grande parte da obra de Mário de Andrade é de pesquisa folclórica. Seu livro sobre a pintura do padre jesuíno do Monte Carmelo é o primeiro estudo de arte religiosa brasileira, baseada em documentação e não mais em verbalismo estético. Tarsila do Amaral não retratou cenas sertanejas, mas se inspirou em motivos de arte cabocla. Villa-Lobos não compôs ou musicou canções populares eruditamente, inspirou-se em temas cablocos. Os dois livros que marcaram data na história como ensaios de interpretação do Brasil foram escritos por membros dos mais íntimos do grupo de Klaxon: Paulo Prado e Sérgio Buarque de Hollanda. Refiro-me ao Retrato do Brasil, escrito pelo mais velho do nosso grupo, e Raízes do Brasil, pelo mais moço.
O grupo de Klaxon não renovou somente no campo da literatura, da arte, da cultura. Terminada essa tarefa, achava-se enriquecido com novos colaboradores menos interessados em arte. Do núcleo primitivo nem todos tinham uma vocação literária nítida e definitiva. Seguimos novos rumos. Embrenhamo-nos pela ação política com a intenção de derrubar a oligarquia P.R.P, instituir o voto secreto, a verdadeira e legítima expressão da vontade popular. Queríamos modernizar a política brasileira. Assim como tínhamos 'descoeljonetizado' a língua brasileira, passamos a 'desperrepizar' o Brasil.
Fomos dos doze primeiros jovens a fundar uma sociedade para esse fim, que se transformou, logo depois, em partido político: o Partido Democrático. Mais tarde, desiludidos da política, reunimo-nos a Ciro Berlinck para fundar uma escola que ensinasse as novas ciências e disciplinas (ignorandas pelas nossas Faculdades obsoletas) capazes de estudar nossos problemas e acabar com as descrições e impressões literárias. Fundamos a Escola Livre de Sociologia e Política, cujo nome era um programa e revolução no ensino, uma nova visão do Brasil. Mandamos vir professores estrangeiros. Só mais tarde é que Armando Sales de Oliveira fundou a Universidade de São Paulo e realizou, em grande escala, o que nosso grupo fez com recursos particulares.
Durante muito tempo sonhamos e planejamos um Departamento de Cultura. Ficamos prontinhos à espera de um governo inteligente, que pudesse encampar nosso plano. Paulo Duarte soube convencer Fábio Prado a nos deixar agir e partirmos para a ação com o entusíasmo de sempre. Mas Getúlio Vargas derrubou o regime democrático. Fábio Prado deixou a prefeitura Substituiu-o um passadista, o honestíssimo Prestes Maia, o último homem de São Paulo a usar a indumentaria do século XIX: ceroulas, botina e suspensório. Não podia apreciar a importância da obra encetada sob chefia de Mário de Andrade. Reduziu o Departamento de Cultura a uma repartição pública rotineira, seus sucessores transformaram-no numa empregoteca.
O velho grupo Klaxon foi se desfalcando pela morte uns, pelo destino de outros, mas sempre sobraram alguns para continuar lutando e trabalhando individualmente, sempre pelas idéias de renovação em profundidade, as idéias do velho grupo de 1922.
O Movimento Modernista abriu fazendas no sertão brasileiro. Foi preciso começar corajosamente, botando abaixo a mata virgem e queimando a coivara. Isso nos deu muito trabalho. Para essa tarefa importamos ferramentas da França. Depois começamos a plantar. Pusemos na terra sementes de toda sorte. A colheita beneficiou principalmente os que nos sucederam.
Esta imagem paulista que estou empregando para definir os resultados do Movimento Modernista Paulista não me veio à mente por acaso nem por bairrismo, mas porque esse movimento nasceu em São Paulo. Por que aqui e não em outra parte do Brasil? Respondam a pergunta o historiador, os sociólogos, os economistas. Mas tomem cuidado com o minueto citado por Plekhanov!
Os historiadores costumam dividir o Movimento Modernista de São Paulo em duas fases: Antes e depois da Semana de Arte Moderna e da revista klaxon. A primeira seria um período preparatório da gestação. A segunda, de realização, ou melhor de ação. Embora as revoluções de idéias nem sempre se procesem com essa lógica e clareza didática, não vejo inconveniente em pôr ordem nessa agitação literária dividindo-a em dois períodos.
Para narrar os acontecimentos e expor as idéias elaboradas nessa primeira fase, os historiadores de hoje dispõem de relativamente poucas fontes, pois o núcleo de jovens que formou o núcleo primitivo, que elaborou a ideologia modernista, não expôs por escrito o resultado de suas discussões, conversas e falatórias. A doutrina do grupo não foi escrita nem tampouco os princípios aceitos por todos ou as nuanças elaboradas por e para o uso próprio de cada um. Nada ficou registrado do resultado das acalouradas discussões, das impressões de leituras que tanto nos influenciaram, das críticas veementes que fazíamos dos autores contemporâneos, das piadas reveladoras de nosso estado de espírito, dos princípios que aceitávamos e das atitudes que tomávamos. Esse fato ocorreu pela simples razão de que os componentes do grupo elaborador da ideologia não podiam prever as consequências históricas das idéias que agitavam. Não éramos tão pretensiosos. Deixamos que as palavras voassem; verba volant, como dizem os que gostam de dar a impressão que souberam latim.
Aliás, se pretendêssemos expor ao público nosso pensamento e comunicar-lhe nossa ideologia, não dispúnhamos de meios para fazê-los. Nenhum jornal, nenhuma revista aceitaria imprimir as lucubrações de jovens desconhecidos. Quando a existência de Mário de Andrade ficou sabida, os jornais não levaram a sério. Conseguiu publicar sua série de artigos - 'Os Mestres do Passado' - somente em fins de 1921, às vésperas da Semana de Arte Moderna e graças à amizade de Oswald de Andrade com Mário Guastini, proprietário do Jornal do Commercio de São Paulo.
Todos sabem quanto é importante a fase de discussão preparatória de um movimento, de uma revolução, de uma simples conspiração política. Da fase preliminar de nossa revolução literária nada ficou. Por causa dessa falta de 'documentos primários' os historiadores têm recorrido aos comentários públicados por Oswald de Andrade no Jornal do Commercio e às crônicas de Menotti del Picchia no Correio Paulistano. Esses artigos são 'fontes secundárias' e precisam ser criticados e explicados antes de serem utilizados com a devida cautela.
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Rubens Borba de Moraes
Correio Braziliense, Brasília, 21 fev. 1970