Comentário Crítico
As crescentes produções em Arte e Tecnologia em muito têm contribuído
para o desenvolvimento de novas interfaces, mais intuitivas,
inteligentes. Trabalhos de arte das interfaces há algum tempo corrigem
um problema de concepção de interface, eliminando uma pretensa distinção
entre o espaço atual e o espaço virtual tecnológico. São exemplos deste
tipo de trabalho Bezerro de Ouro e Legible City, de Jeffrey Shaw;
Liquid Views, de Monika Fleischmann, Wolfgang Strauss, Christian-Arved
Bohn; Text Rain, de Camille Utterback & Romy Achituv, dentre outros.
No Brasil, Vestis, de Luisa Donati; Atrator Poético, do grupo SCIArts e
Edson Zampronha; My Body, my blood, de Diana Domingues; Rara Avis de
Eduardo Kac; Acaso 30, de Gilbertto Prado; Vozes, de Suzete Venturelli
são apenas alguns exemplos de artistas que se preocupam com a arte das
interfaces.
Aqui as interfaces são bicicletas, tapetes, telas sensível ao toque,
peças do vestiuário, microfones, janelas... elas não são elementos
específicos mas estão nos elementos, camufladas, escondidas. Podem ser
acionadas de vários modos, seja batendo palmas, soprando, caminhando ou
simplesmente pensando. Os sistemas não não visíveis, as interfaces são
mídias, pura comunicação.
Para Röller e Zielinsky (2001), na medida em que a arte tende para uma
arte das mídias, ela se transforma em arte das interfaces. Da mesma
forma a teoria da arte, ao tender para uma história das mídias, ela se
transforma em uma teorias das interfaces (apud ARAÚJO, 2005, 181).
As interfaces caminham fisicamente para assumirem formas de outros
objetos, ou simplesmente se fazer passar por vários objetos, em atitudes
próximas da naturais, como o joystick do game Wii, da Nitendo, que pode
ser acionado de vários modos, simulando o funcionamento do objeto que
ele substitui. Esconder-se ou camuflar-se são dois caminhos bem claros
para os elementos físicos da interface.
Os elementos gráficos do mesmo modo estão sendo substituídos, sendo
comuns sua utilização em projeções interativas, com reconhecimento do
gesto para deslocamento ou manipulação da informação, como é o caso das
interfaces gráficas de Op_era, de Daniela Kutschat e Rejane Cantoni.
Mais que invisíveis e de fácil interação, as interfaces assumem a
direção proposta por vários pesquisadores, inclusive tornando-se “do
tipo neurológicas” (KISSELEVA, 1998, 307). Os sistemas tornam-se “vivos”
ou com capacidade de processamento cognitivo, usando de todas as
interfaces para cumprir suas prerrogativas de realização da tarefa.
A interface computacional contemporânea está em um processo de grande
transformação, tendo na arte o seu carro chefe. A profícua contribuição
da arte para o desenvolvimento da interface faz dela peça chave para
compreender o futuro da interface, em seus modos de aparecimento ou
desaparecimento. As dimensões da interação estão atreladas às conquistas
e inovações trazidas pela arte das interfaces, gravadas indelevelmente
na cultura contemporânea.
Histórico e contexto atual do conceito
Historicamente, as interfaces já tiveram várias formas, assumindo-se
como física, gráfica e cognitiva, esta última conhecida como natural ou
inteligente.
Inteface de usuário, ponto de contato para o intercâmbio entre humanos e
máquinas, pode assumir muitas formas. É na interface, a ser usada pelo
observador ativo de acordo com a regras do mundo particular de ilusão,
que as estruturas de simulação projetadas para comunicação encontram-se
com os sentidos humanos. (GRAU, 2007, 220)
De acordo com ROCHA (2003, 10), orientadas por Nielsen, em 1945 as
interfaces eram apenas físicas, sendo apresentadas como cabos, chaves ou
botões de acionamentos – o modelo não executava ações somente físicas,
mas lógicas a partir dos acionamentos, com tecnologia de hardware
baseada na mecânica e eletromecânica, e uso somente para cálculos. Não
havia ainda interface de usuário. Nos 10 anos que se seguiram os
hardwares eram válvulas e máquinas enormes com alta taxa de erro, com
interfaces baseadas em programação, e batch; mas já se usava a linguagem
de máquina 0011. Entre 1955 e 1965 os transistores passaram a ser
usados, e os computadores começam a ser usados fora de laboratórios. As
interfaces eram baseadas em linguagem de comando. Entre 1965 e 1980 os
menus hierárquicos e preenchimento de formulários já dominavam as
interfaces gráficas, com hardwares baseados em circuitos integrados.
Entre 1980 e 1995 chegam as interfaces criadas por Engelbart e Kay,
utilizando WIMP (Windows, Icons, Menus e Point devices). Os hardwares já
eram computadores pessoais. A partir de 1995 há integração de
hardwares, com o surgimento de interfaces inteligentes, tidas como
naturais.
Com as interfaces gráficas, houve uma junção dos elementos físicos e
gráficos, em atuação conjunta. Mouse e teclado são as interfaces físicas
mais usuais nos dias de hoje, e trabalham em conjunto com a interface
gráfica, tudo o que é visto na tela do computador. A replicação dos
elementos encontra sentido no conceito de duplo virtual, também de
Engelbart, segundo o qual os elementos físicos podem ter suas
representações – ou duplo virtual – nas interfaces gráficas, como ocorre
com o mouse e seu duplo, o cursor. Os avatares são exemplos de duplo
virtual do usuário. Os aparelhos celulares também assumem este modo de
integração, trabalhando com o visor - interface gráfica - e o teclado -
interface física.
Atualmente as interfaces produzidas seguem o ideal de seu surgimento:
tornar-se invisível. Quando Engelbart criou a interface gráfica, ele
adicionou um elemento ao sistema, a própria interface gráfica, criando
uma experiência manipulação direta da informação pelo usuário. Até então
a linguagem de comando era a única utilizada, e era baseada em ordens
para o sistema realizar tarefas. Com a inserção da modalidade gráfica o
usuário passou a, ele mesmo, deslocar informações de um ponto a outro da
tela, conduzir arquivos para outros locais, até mesmo para a lixeira,
simulando o ato de deletar a informação. Apesar de ter havido a inserção
do elemento gráfico, a experiência foi de manipulação direta; a
interface gerou uma idéia de inexistência de distância entre usuário e
informação, usuário e sistema. O usuário não via mais o computador ou o
sistema, somente a tarefa a ser realizada. Atualmente as interfaces se
distanciam do formato gráfico já tradicional, buscando sua realização, e
também a do usuário:
The real problem with the interface is that it is an interface.
Interfaces get in the way. I don't want to focus my energies on an
interface. I want to focus on the job. . . . An interface is an
obstacle: it stands between a person and the system being used. . . . If
I were to have my way, we would not see computer interfaces. In fact,
we would not see computers: both the interface and the computer would be
invisible, subservient to the task the person was attempting to
accomplish. (NORMAM, 1999, 219)
Não querendo ser vistas, as interfaces se escondem nos ambientes,
roupas, em dispositivos outros, e tornam-se mais inteligentes,
desenvolvem capacidade “cognitiva” de processamento. São baseadas em
sensores e outros elementos físicos e graças a computação pervasiva
estão em todos os espaços, atentas para entrarem em ação, ou fazer os
sistemas entrarem em ação. Ainda assim as interfaces possuem seus
elementos físicos e, algumas vezes, os elementos gráficos.
A inserção de sensores e de recursos outros da computação pervasiva faz a
interface alcançar o status de interface cognitiva, também chamada de
interface natural (KISSILEVA, 1998; GRAU, 2007) e interface inteligente
(NORNAM, 1990). Neste sentido, discutir sobre um novo tipo de interface
é tarefa não apenas premente, mas essencial para o desenvolvimento do
campo da comunicação homem/máquina. A nova interface considera elementos
gráficos, físicos e/ou cognitivos, muitas vezes tornando-se invisível –
ou camuflada, escondida -, possibilitando que os usuários concentrem
suas energias na execução da tarefa, e não na compreensão da interface
ou do sistema.