sábado, 20 de outubro de 2012

Retórica e Arquitetura

A poética barroca da persuasão é, aparentemente, limitada às artes figurativas. Na verdade, o seu fundamento é a “verossimilhança” — um conceito que parece dificilmente aplicável à arquitetura. Por outro lado, o princípio da arte como persuasão se relaciona como o programa religioso da Igreja católica, e esse programa não pode deixar de também se relacionar, talvez mais que todos, com a arquitetura. Os dois grandes problemas da Igreja no século XVII são de fato a proteção e a propagação da fé: proteção contra as “heresias” protestantes mediante a devoção e o culto de massa; propagação da revelação entre as populações “pagãs”. São duas ações que demandam um vasto aparelhamento, sobretudo a construção de muitas igrejas. Na nova concepção de cidade — e isso já pode ser visto no programa de Sisto V para a reforma urbanística de Roma —, a igreja paroquial é o núcleo da organização por bairros, a célula essencial do traçado urbano.

Uma ligação entre o conceito de “verossimilhança” e a arquitetura se constitui sem dúvida no conceito de “alegoria”. A alegoria, no pensamento do século XVI, é mais do que uma projeção ou transposição do conceito para o plano da imagem, um tipo de processo mental: é, propriamente, o processo da imaginação. A importância desse processo, entre os vários modos de procedimento da mente humana, é enorme: até o século precedente, a imaginação era simplesmente o lado oposto do conhecimento, isto é, o falso conhecimento; mas, no século XVII, passa a ser um processo autônomo, produtor de valores. Por isso se sente a necessidade de limitá-lo e conferir-lhe ordem e disciplina: Bernini, em suas conversas parisienses com Chantelou, distingue a imaginação autêntica, histórico-naturalista (o verossímil) da inatural, arbitrária, quimérica (a fantasia: com evidente referência a Borromini). Paralelamente, Mancini separa o verossímil, isto é, a imaginação histórico-naturalista, do demasiado verdadeiro (e, portanto inatural) de Caravaggio.

Assim, é claro que o alegorismo, entendido como processo típico da imaginação autêntica, deve por força estender-se ao processo mental que produz a arquitetura; de fato, são bem conhecidos os aspectos “alegóricos” de muitas obras arquitetônicas do período barroco. Mas, se todo o processo é alegórico, o alegorismo não pode reduzir-se a esta ou aquela solução; deve ser percebido em todo o repertório formal.

Na realidade, o repertório formal do barroco é o mesmo codificado pelos tratados clássicos do século XVI. Aliás, representa uma restrição, se comparado aos “caprichos” e “bizarrias” do maneirismo tardio; só Borromini e Guarini tentam modifica-lo, mas permanecendo quase sempre no âmbito das variantes. Ao contrário, o que muda profundamente, e em várias direções, é o processo associativo ou combinatório, a sintaxe da composição arquitetônica. E isso é compreensível: se a arquitetura deve ser persuasiva, se deve servir-se de palavras conhecidas para dizer coisas novas, então tudo pode ser modificado, exceto o vocabulário. Com que propósito, porém, a arquitetura barroca romana do século XVII quer persuadir? A pesquisa dos conteúdos conceituais, mesmo quando historicamente fundamentados, não
serve ao nosso objetivo. Ainda que a colunata berniniana da Praça San Pietro represente realmente a Igreja que abraça a cristandade, esse significado conceitual não está no nível da persuasão, mas concerne, já nos tempos de sua criação, a motivos outros e mais diretos de escolha formal. No plano dos elementos formais, a colunata pode ser explicada como interpretação e reintegração (após o acréscimo da grande nave e da fachada) do valor plástico e ideológico da cúpula de Michelangelo: a cúpula é explicada, aberta e desenvolvida fora da igreja, no espaço urbano. Mas essa interpretação do valor ideológico da cúpula, considerada emblemática da autoridade universal da Igreja, é expressa mediante a determinação de uma espacialidade arquitetônica. Entrar naquele espaço é como “entrar no conceito”, associar-se à cristandade abraçada pela Igreja. Não há dúvida de que esse valor ambiental é transmitido por meio de alguns processos bem específico de ilusionismo espacial, isto é, da determinação de um espaço imaginário verossímil. E isso se dá precisamente porque o convite, transmitido por meios visuais, é simplesmente um convite a entrar e a integrar-se.

O mesmo convite é expresso pelas fachadas das igrejas da época. A igreja não é mais um
templo, um monumento isolado: percorre-se uma rua e encontra-se uma igreja, da qual
muitas vezes só se vê a fachada. Obviamente essa fachada deve manifestar de modo sintético, em um único plano, o sentido monumental do edifício — ainda que modesto —, porque uma igreja é sempre, como instituição, um monumento. E, como tal, ela deve distinguir-se não só dimensionalmente mas também plástico e volumetricamente das fachadas das outras casas que formam a parede da rua; tanto mais que o traçado da rua com frequência determina mais uma perspectiva (os desenhos de Pietro da Cortona para a sistematização da zona que dá para a fachada de Santa Maria dela Pace são, nesse sentido, demonstrativos). O tipo é fixado por Maderno, em 1603, com a fachada de Santa Susanna. Esta não tem nenhuma relação plástica ou estrutural com o interior da igreja, que, de resto, foi construída em época anterior: é apenas um plano que resume sistematicamente duas extensões do espaço, o ali e o aqui. Maderno preocupou-se sobretudo em colocar a fachada em relação direta com o espaço livre, atmosférico; desenvolveu-a em altura e, sobre o grande tímpano, pôs uma balaustrada (um absurdo do ponto de vista da racionalidade de Milizia) cuja única função é conectar a
superfície arquitetônica ao céu. A novidade: a inserção das colunatas na primeira ordem. A coluna é um elemento plástico, originariamente um suporte, portanto destacado das paredes; embora nesse caso Mademo se refira explicitamente às colunas encaixadas de Michelangelo, a mesma disposição das colunas alude de forma clara a um pronau* recuado e novamente aplicado à superfície. As colunas ladeiam a porta, e esse é realmente o tema que deriva da fachada e que deve ser considerado uma arquitetura em torno de uma porta. Seria fácil demonstrar o quanto as fachadas barrocas devem ao tema quinhentista da porta citadina (basta pensar no Livro extraordinário de Sebastiano Serlio). Através das colunas, fachada exerce um “domínio” sobre o espaço fronteiriço; através do enquadramento perspectivo da abertura, atrai para o espaço recuado, o interior. O “domínio” não é apenas perspectivo: os componentes plásticos da fachada dão lugar a fortes contrastes de luz e sombra, resumem sinteticamente e quase contrapõem o espaço aberto e luminosos ao espaço fechado e penumbroso da igreja. Mesmo aqui, portanto, o tema da persuasão é simplesmente o convite a entrar ou ao menos a sentir-se partícipe do ambiente sagrado, já que, se essa é a sua espacialidade da fachada, “entra-se” na igreja simplesmente passando diante dela. É o que nos diz Pietro da Cortona na fachada de Santa Maria in via Lata: não avança, está toda dentro, como um pórtico incorporado — cuja função é, mais do que atrair, desviar o olhar do passante para o interior.

Naturalmente, esse convite a entrar no espaço sagrado da igreja só é possível porque é
expresso por meio de componentes e elementos que são, em si mesmo, portadores de um
valor, de um significado espacial. Mais uma vez, Pietro da Cortona — o artista que leva mais longe a análise metódica da morfologia arquitetônica quinhentista em relação a uma sintaxe seiscentista — é quem fornece uma prova disso, na sua Santa Maira dela Pace. O que ele realiza, ao conferir ao prótiro um volume semicilíndrico e à parte superior da fachada o pano de fundo de uma êxedra recuada, é praticamente o desenvolvimento plástico de uma fachada em superfície, ou, mais precisamente, o desenvolvimento plástico dos volumes curvos que, na fachada de Santi Luca e Martina, haviam sido encaixados quase à força, comprimidos, na estrutura frontal. O resultado é, naturalmente, a desarticulação do modelo quinhentista (de Bramante ou Rafael), em que todos os elementos — colunas, pilastras, altos-relevos, frisos, cornijas — tinham um sentido preciso de espaço, exprimiam distâncias ou intervalor que correspondiam à sua própria dimensão, ou seja, à sua forma como expressão de uma força de sustentação. Levados para a superfície, aqueles elementos arquitetônicos continuam a exercer sua função de declaração dos valores relativos dos espaços e das forças, mas só num plano figurativo e simbólico: os espaços de fato já não correspondem à sua medida, e as forças não atuam, porque tudo se passa na superfície e porque a técnica de construção já não necessita de sua capacidade de sustentação. Assim, todo o processo de invenção arquitetônica se transforma em um autêntico processo de alegorização: cada obra se torna não uma ilusão, mais uma alegoria do espaço.

De que espaço? Por que um arquiteto neoquinhentista como Pietro da Cortona, em vez de
imitar simplesmente as formas de Bramante, tem necessidade de executar uma operação tão complicada quanto a que acabo de descrever, isto é, reduzir a antiga volumetria à superfície para depois desenvolver a superfície em uma nova volumetria? Evidentemente, para exprimir ou representar uma nova espacialidade, em que aqueles elementos valem por seu significado alegórico, independentemente da estrutura plástico espacial que, na origem, os justificava. O que muda é a concepção do espaço, que não é mais natureza, mas ambiente, não tem mais uma configuração absoluta e a priori, mas uma configuração determinada da vida humana, social. Em outros termos, o espaço é a cidade, como conjunto de valores históricos, de situações atuais, de previsões do futuro. A operação executada por Pietro da Cortona visava, pois, a redefinir valores históricos numa situação atual, isto é, a pensar o significado que assumiam, em um espaço entendido como continuum ambiental, formas criadas em relação
ao sistema fechado da espacialidade natural quinhentista. E não se podiam dispensar essas formas, que por sua vez já eram portadoras de um significatum do qual não era possível se distanciar sem negar a razão natural da situação histórica.

No espaço-ambiente, portanto no espaço urbano, a ilusão óptica tem um valor muito limitado, de mero expediente. O tipo de ilusionismo espacial seiscentista não é caracterizado pelos expedientes de perspectivas para aumentar ilusoriamente o espaço real, como haviam feito no século XVI Bramante e Palladio. O tipo é aquele fornecido por Bernini, no início de sua carreira, com o baldaquino de San Pietro. Sem relembras as histórias bastante conhecidas sobre o cibório, basta recordar que Bernini rejeita a ideia de fazer arquitetura dentro da arquitetura, porque se trataria sempre de uma arquitetura pequena dentro de uma grande, portanto de uma arquitetura apequenada, que determinaria na mente do observador a tendência — inatural — a apequenar. Então ele toma um objeto relativamente pequeno, um baldaquino de procissão, e o engrandecer imensamente, com o duplo efeito de induzir o observador e a identificar o local sagrado da igreja como ponto de chegada de uma imaginária procissão de fiéis. Trata-se, portanto, de uma ilusão psicológica — e não óptica; uma ilusão que não é provocada por meio de engano, mas pela persuasão.

A consequência direta da poética da persuasão, em arquitetura, é a transformação do sistema formal fechado em um sistema formal aberto; o que corresponde, em termos de “retórica”, a passagem da demonstração à argumentação, ao discurso. No discurso retórico, admite-se a repetição com finalidade exortativa. É o que ocorre, em arquitetura, com a coluna. A coluna é símbolo de força e de sustentação; e, por deslocamento, da salvação da fé, princípio essencial em tempos de luta religiosa. Em toda a arquitetura romana do século XVII, a coluna é tema dominante, mas o é especialmente no exterior e no interior de Santa Maria in Campitelli, construída por Carlo Rainaldi como templo votivo pela proteção contra a peste. Lá se conserva uma imagem considerada milagrosa. Mas a igreja foi construída sobre uma área onde antes havia outra igreja, erigida em memória e como expiação da profanação da hóstia, perpetrada por um soldado luterano na época do saque a Roma. A peste fora considerada punição divina pela vida luxuriosa; mas, no século XVII, foi a punição da heresia, considerada a peste espiritual. A igreja de Campitelli é, pois, uma igreja votiva pela salvação da peste e a estabilidade da fé; a isso aludem seguramente as colunas ostentadas como lábaros tanto fora quanto dentro da igreja. É de notar que essa igreja é a primeira construída intencionalmente para o culto de massa, isto é, par aos rituais que concluem as procissões. E a sua estrutura interna foi adequada para esse objetivo, concebida independentemente de qualquer sistema tipológico e estudada em relação ao movimento das massas de fiéis.

O problema da persuasão por meio do “argumento” arquitetônico tem desdobramentos
variados e mais amplos — que aqui nem sequer são mencionados — em relação à
configuração e ao traçado da cidade-capital, tema urbanístico tipicamente barroco. Mas
também nesse caso o agente da persuasão é o espaço como ambiente; e a finalidade é
persuadir a estar-em, a viver segundo a ordem do próprio ambiente, isto é, segundo os
valores ideológicos dos quais a cidade quer ser a expressão visível e “monumental”. Nesse sentido mais amplo, pode-se dizer que o escopo é aquele que Pascal aponta como verdadeiro e último fim dos processos persuasivos ou retóricos: persuadir a ser persuadido ou a deixar-se persuadir, ou seja, desenvolver o hábito do discurso, do diálogo, da comunicação humana.

Giulio Carlo Argan
Imagem e Persuassão
Companhia das letras, 2004