segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Surrealismo e Marxismo

"Para os surrealistas, escreve Gauthier, o sexo é tudo — parafraseando Breton — a revolução será sexual, ou deixará de sê-la. A liberdade sexual passa para a revolução social. Esta última é um meio de resolver a exploração da mulher pelo homem. A revolução social é a primeira e última". Citando Maurice Nadeau, Histore du Surreálisme, Gauthier observa: "A verdadeira Revolução para os surrealistas é a vitória do desejo. Esta vitória pode mesmo, por ela só, determinar a revolução social. Esta crise é tão aguda, escreve Breton em Arcane 17, que não descubro nela senão uma solução: o tempo teria chegado para fazer valer os ideais da mulher às custas do homem cuja falência se consuma, hoje, tumultuosamente.

Gauthier assinala que os surrealistas se aproximam mais dos socialistas utópicos franceses como Fourier do que com Karl Marx. Com efeito, para o marxismo lenismo o problema sexual é apenas um apêndice da revolução social. Segundo os comunistas, a sexualidade é mais um problema burguês e a emancipação feminina deve subordinar-se à luta de classe. Esta deve ter prioridade sobre aquela, pois o problema social engloba todos os outros.

Numa de suas entrevistas com Clara Zetkin, Lenine censurava esta de estar sempre ocupada com o debate das questões sexuais que interessavam, sobretudo, ao mundo burguês. Ora, tais questões devem subordinar-se à revolução. Lenine, escreve Gauthier, se queixa disto que 'as questões sexuais e matrimoniais não são compreendidas senão como parte da principal questão social. Não pode suplantá-la como parte da principal questão social. Não pode suplantá-la. Além do que os excessos da vida sexual são sinais de degenerescência burguesa, o proletariado é uma classe que ascende. Não há necessidade de embriagá-lo, de ensurdecê-lo, de excitá-lo'.

Assim, 'tudo isto que não aparece diretamente na luta de classe é não somente inútil como perigoso, é também dispersivo. O estudo de tudo isto que toca ao sexo é proibido, isto aparece como uma dispersão de forças e isto retarda o advento da revolução'. E o chefe do comunismo encara este problema como escandaloso e particularmente perigoso para os movimentos da juventude. Estas matérias podem facilmente contribuir para excitar ao extremo a vida sexual de certos indivíduos, a destruir a saúde e as forças da mocidade'.

Vê-se, como observa Gauthier, citando Lenine, que não é somente a discussão do problema sexual que é condenada, mas também a própria atividade sexual. 'não me sentiria garantido quanto à segurança e à firmeza na luta pelas mulheres na qual o romance pessoal se entrelaça com a política, nem pelos homens que correm atrás de cada saia e se deixam enfeitiçar pela primeira jovem que aparece. Não, isto não vai com a revolução, que exige concentração, tensão de forças e não tolera estados orgiásticos'.

Assim a própria literatura freudiana foi dada como um capricho da moda e a psicanálise posta no 'index'. Entretanto, a revolução social lenista embora contra o sexualismo, propunha-se, dizia Lenine, a emancipar a mulher e tão logo obteve o poder, em 1917, estabeleceu o divórcio e um código de leis instituía o matrimônio civil. Em 1926, segundo Gauthier, foi admitida uma dualidade de matrimônio, um registrado e outro clandestino (concubinato), ao mesmo tempo em que se oficializava o aborto, o uso de contraceptivos e se suprimia a prostituição. Mas essa situação teve vigência limitada, pois já em 1944, havia sido eliminado o aborto, e o casamento dentro do sistema familiar estava estabelecido'.

Ora, isso certamente não haveria de ser assimilado pelos surrealistas já que estes atribuíam à sociedade burguesa a limitação da sexualidade. E o comunismo, na Rússia, iria seguir o caminho restritivo, não só com as limitações inicialmente impostas por Lenine, como posteriormente, a libertação do ano 26, quando se reestabeleceram as práticas tradicionais familiares, o que levou Trotsky a denunciar a Revolução em 'La revolution trahie'.

Não obstante alguns surrealistas como Pierre Naville, Éluard, Aragon preferiram permanecer fiéis ao Partido enquanto Breton e outros se desligaram dele.

Arte e Dialética
Beneval de Oliveira
Instituto Nacional do Livro