Gauthier assinala que os surrealistas se aproximam mais dos socialistas utópicos franceses como Fourier do que com Karl Marx. Com efeito, para o marxismo lenismo o problema sexual é apenas um apêndice da revolução social. Segundo os comunistas, a sexualidade é mais um problema burguês e a emancipação feminina deve subordinar-se à luta de classe. Esta deve ter prioridade sobre aquela, pois o problema social engloba todos os outros.
Numa de suas entrevistas com Clara Zetkin, Lenine censurava esta de estar sempre ocupada com o debate das questões sexuais que interessavam, sobretudo, ao mundo burguês. Ora, tais questões devem subordinar-se à revolução. Lenine, escreve Gauthier, se queixa disto que 'as questões sexuais e matrimoniais não são compreendidas senão como parte da principal questão social. Não pode suplantá-la como parte da principal questão social. Não pode suplantá-la. Além do que os excessos da vida sexual são sinais de degenerescência burguesa, o proletariado é uma classe que ascende. Não há necessidade de embriagá-lo, de ensurdecê-lo, de excitá-lo'.
Assim, 'tudo isto que não aparece diretamente na luta de classe é não somente inútil como perigoso, é também dispersivo. O estudo de tudo isto que toca ao sexo é proibido, isto aparece como uma dispersão de forças e isto retarda o advento da revolução'. E o chefe do comunismo encara este problema como escandaloso e particularmente perigoso para os movimentos da juventude. Estas matérias podem facilmente contribuir para excitar ao extremo a vida sexual de certos indivíduos, a destruir a saúde e as forças da mocidade'.
Vê-se, como observa Gauthier, citando Lenine, que não é somente a discussão do problema sexual que é condenada, mas também a própria atividade sexual. 'não me sentiria garantido quanto à segurança e à firmeza na luta pelas mulheres na qual o romance pessoal se entrelaça com a política, nem pelos homens que correm atrás de cada saia e se deixam enfeitiçar pela primeira jovem que aparece. Não, isto não vai com a revolução, que exige concentração, tensão de forças e não tolera estados orgiásticos'.
Assim a própria literatura freudiana foi dada como um capricho da moda e a psicanálise posta no 'index'. Entretanto, a revolução social lenista embora contra o sexualismo, propunha-se, dizia Lenine, a emancipar a mulher e tão logo obteve o poder, em 1917, estabeleceu o divórcio e um código de leis instituía o matrimônio civil. Em 1926, segundo Gauthier, foi admitida uma dualidade de matrimônio, um registrado e outro clandestino (concubinato), ao mesmo tempo em que se oficializava o aborto, o uso de contraceptivos e se suprimia a prostituição. Mas essa situação teve vigência limitada, pois já em 1944, havia sido eliminado o aborto, e o casamento dentro do sistema familiar estava estabelecido'.
Ora, isso certamente não haveria de ser assimilado pelos surrealistas já que estes atribuíam à sociedade burguesa a limitação da sexualidade. E o comunismo, na Rússia, iria seguir o caminho restritivo, não só com as limitações inicialmente impostas por Lenine, como posteriormente, a libertação do ano 26, quando se reestabeleceram as práticas tradicionais familiares, o que levou Trotsky a denunciar a Revolução em 'La revolution trahie'.
Não obstante alguns surrealistas como Pierre Naville, Éluard, Aragon preferiram permanecer fiéis ao Partido enquanto Breton e outros se desligaram dele.
Arte e Dialética
Beneval de Oliveira
Instituto Nacional do Livro